Para Uma Rainha Cujo Nome Também é um Refrão Musical! |
Haveria uma relação substancial entre o amor romântico e o patriotismo, um laço unindo a terra amada e a pessoa que amamos? Comecemos esta investigação analisando o patriotismo entre os poetas e romancistas da Alemanha dos séculos XVIII e XIX, apogeu e glória do romantismo literário. Salta aos olhos do leitor iniciante deste período e escola que os seus autores idolatram a natureza física, como refúgio da sociedade cruel e o lugar natural do homem verdadeiro: o campo, as montanhas, os vales e rios murmurantes cantados em telas e versos; mas, sob o fundo e moldura destas paisagens, sentimos a sombra da pátria, da terra natal, da Arcádia como elemento integrador e identificador que configura um espelho para o eu transcendental do poeta. A natureza cantada pelo poeta romântico não pode ser hostil, transitória ou puramente extensiva, pois toda ela não passa de um vestíbulo expandido da sua alma, um teto de vidro na mônada sem portas ou janelas leibnizianas. A pátria é onipresente nas divagações e deambulações do artista romântico e sua amada, morta, distante ou ignota, nela se rebate como o reflexo que lhe completa. Não por acaso, as frequentes visagens e alucinações do rosto da amada nas nuvens e nas montanhas, o perfil longilíneo da sua musa na linha suave das colinas e o aroma do seu colo na brisa floral das manhãs. São esses cancioneiros os herdeiros de uma longa tradição que passa pelos trovadores e remonta aos cavaleiros das gestas medievais, do ciclo arturiano em Cristian de Troyes, catatônicos sobre seus cavalos a vislumbrarem suas amadas no flanco de uma ravina, na copa de uma árvore, na espuma de um rio caudaloso que desce das montanhas! O inverso também é verdadeiro: frequentemente o poeta vê no rosto de sua amada os bosques sombrios de sua vasta cabeleira sobre o dorso do pescoço, os lagos de luz e lágrimas nos olhos aonde a lânguida lua vem desfalecer, o vale perfumado e doce nas dobras e linhas da sua face! OS franceses até cunharam um termo para essa alucinação de amor, “Visageté”! É assim que Proust pode falar que, no amor, amamos os mundos insinuados e misteriosos que o ser amado frequenta, o universo inacessível que emite signos e deixa marcas no rosto idolatrado. Estes mundos não são outra coisa senão uma pátria espiritual, uma paisagem superior e meramente formal que possa abrigar e unir um casal em um território ideal, duradouro e consolidado, na forma transcendental que individua um novo corpo a que o amor aspira realizar. Concluindo a suposição de haver um vínculo essencial entre o amor e o patriotismo, é precisamente quando se volta a amar a pátria como um espaço divino de beleza e esplendor, que um rosto pode ser nele projetado, um rosto amoroso e vasto, pois os amantes amam na mesma intensidade em que desejam se perder neste amor, fundir com seu par as personalidades endurecidas que os asfixiam enquanto criaturas egoístas, miseráveis e solitárias. O renascer do sentimento patriótico é um polimento nos espelhos que nos hipnotiza, permitindo-nos, na conjugação destas interfaces, pátria e alma, rosto e paisagens, termos a perspectiva de uma reflexão infinita, a vertigem de um território sem limites que possa conter todo o nosso amor e nossa amada em castelos secretos e inexpugnáveis, nele desdobrando todas as loucas possibilidades deste sentimento que suspira e anseia por um reino encantado, uma alcova de delícias, um sétimo céu das arábias!
P. S. Certa vez, folheando a obra de um pároco anglicano, o romancista inglês David Herbert Lawrence deparou com uma singela dedicatória daquele autor que dizia: "Para minha amada esposa, em cujos braços abraço toda a Inglaterra!". Crítico mordaz da moral vitoriana e fascinado pela teoria freudiana da sexualidade como a essência do ser humano, Lawrence não perdoou o empolado sacerdote e sapecou: "Um abraço assim tão vasto, capaz de abraçar toda a Inglaterra... Provavelmente a esposa nunca haverá de senti-lo!" O genial romancista inglês paree não ter percebido que, quanto mais você abraça a pátria, mais você aperta as carnes da sua amada!
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