quarta-feira, 13 de abril de 2016

O SUBLIME CRONOLÓGICO



Em sua obra de velhice, seu canto de cisne, se é que podemos aplicar termos tão poéticos à um rabugento filósofo apaixonado pela lógica, intitulada Crítica do Juízo, Kant irá estabelecer os parâmetros conceituais para se pensar e inspirar um dos maiores movimentos estéticos de todos os tempos: o romantismo alemão.

Nessa obra genial, o velho filósofo irá apresentar seu conceito de Belo – que ele define como o prazer desinteressado que uma obra humana ou natural nos causa pela sua organicidade intrínseca, algo onde sentimos a vida pulsar e esta anímica pulsação, na obra considerada, sendo aquilo que chamamos de Belo (mesmo as mais mortas das naturezas mortas são tão vivas que parecem gerar espontaneamente moscas e vermes em suas sumarentas frutas vomitadas por luxuriosas cornucópias). 

 A esse conceito, ele irá acrescentar um outro de lavra própria chamado de Sublime e aplicado a certos objetos, artísticos e/ou naturais. Diferente do Belo, o Sublime não nos causa prazer, mas sim uma vertigem diante da contemplação de coisas que ultrapassam o poder de nossa imaginação ou de nossas forças, considerando sempre que esse sentimento do sublime implica que estejamos seguros fisicamente de sermos tragados por estas forças: um oceano em fúria, com seus vagalhões entumescidos e suas ondas avassaladoras é um espetáculo sublime, desde que o contemplamos no cinema ou do alto de um penhasco, mas nunca se estivermos dentro de um barco no coração da tempestade, quando então, o pânico varre de nossos corações todo e qualquer outro sentimento. Este exemplo, especificamente, ilustra um desdobramento do conceito, chamado por Kant de Sublime dinâmico, aquele onde consideramos, na contemplação do espetáculo, as forças infinitas em relação às quais estamos protegidos. Nesse sentido, há um parentesco entre o Sublime dinâmico e o sentimento de respeito, na medida em que ambos são de ordem privativa: no respeito, deixamos de agir, nos privamos de algo em função de outra pessoa, pessoa essa que representa algo infinitamente superior aos nossos anseios volitivos, a saber, a dignidade humana. Do mesmo modo, no sentimento estético de Sublime dinâmico, é justamente a impossibilidade de experimentar para além do pensamento, estas forças avassaladoras, a causa do sentimento e da vertigem, é quando então falamos de “um espetáculo de respeito!” ou de “uma senhora tempestade”. Voltaremos depois a esse parentesco que estou criando agora enquanto escrevo. 

O outro tipo de Sublime, o Sublime matemático, diz respeito à consideração de grandezas, abstratas, mas também capazes de nos deixar tontos, como as grandes sequências de equações em um sistema algébrico e teoria dos grupos, as vastidões do espaço descortinadas pela astrofísica, a profusão de imagens em um filme de Peter Greeneway ou mesmo o nome de todas as naus e seus marinheiros que partiram do Peloponeso para guerrear em Tróia e que pareciam ser conhecidas “de cour” por Homero e todos os aedos da época. A propósito, para cunhar esse conceito de Sublime, Kant se inspirou em uma teoria literária de um obscuro latinista romano, conhecido como Pseudo Longinos, autor de um tratado de estilística chamado DO SUBLIME, onde se considerava justamente os excessos recursivos da prosa literária em busca de efeitos arrebatadores... Nesse breve apontamento quero deixar esboçada a pertinência de um terceiro tipo de sentimento Sublime, que batizo de “Sublime cronológico”. Sempre que vemos o tema, romântico “par excellence”, de ruínas, sentimos que ele transborda, e muito, a mimosa compreensão que dele possuem os críticos quando enquadra esse tema no conceito de “pitoresco”. 

De fato, há nessas telas de grandes ou singulares escombros, todos os elementos do pitoresco: a linha sinuosa e quase abstrata dos contornos, a entourage bucólica, o domínio da natureza sobre a efêmera vaidade humana, enfim, todos os requisitos da alma pastoral. Também vemos, explicitamente, a alusão a grandes estruturas arquitetônicas que, mesmo corroídas, nos evoca traços do que expliquei a pouco, do Sublime matemático. O que pretendo apontar nessas telas como sendo da ordem de um sublime cronológico seria precisamente a ação devastadora das forças do tempo, a ação erosiva de séculos ad séculos seculorum roendo cada pedra, cada coluna, enrugando e manchando a lisa pele de mármore dos ídolos caídos. É justamente por, aparentemente, não se sentir a ação do tempo - que no entanto nos desgasta por dentro como uma porcelana esquecida no armário -, e ver na tela ou no site turístico os efeitos deletérios dessa força aparentemente insensível, é que sentimos um arrebatamento semelhante ao que sentimos ao contemplar outras epifanias e turbilhões da natureza dinâmica, conforme os míseros exemplos que citei acima. 

Que fique incompleto esse esboço, pois que não pretende, por hora, ser outra coisa além de um romântico croqui.
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