Em sua obra de velhice, seu canto de cisne, se é que podemos aplicar
termos tão poéticos à um rabugento filósofo apaixonado pela lógica, intitulada
Crítica do Juízo, Kant irá estabelecer os parâmetros conceituais para
se pensar e inspirar um dos maiores movimentos estéticos de todos os
tempos: o romantismo alemão.
Nessa obra genial, o velho filósofo irá
apresentar seu conceito de Belo – que ele define como o prazer
desinteressado que uma obra humana ou natural nos causa pela sua
organicidade intrínseca, algo onde sentimos a vida pulsar e esta anímica
pulsação, na obra considerada, sendo aquilo que chamamos de Belo (mesmo
as mais mortas das naturezas mortas são tão vivas que parecem gerar
espontaneamente moscas e vermes em suas sumarentas frutas vomitadas por
luxuriosas cornucópias).
A esse conceito, ele irá acrescentar um outro
de lavra própria chamado de Sublime e aplicado a certos objetos,
artísticos e/ou naturais. Diferente do Belo, o Sublime não nos causa
prazer, mas sim uma vertigem diante da contemplação de coisas que
ultrapassam o poder de nossa imaginação ou de nossas forças,
considerando sempre que esse sentimento do sublime implica que estejamos
seguros fisicamente de sermos tragados por estas forças: um oceano em
fúria, com seus vagalhões entumescidos e suas ondas avassaladoras é um
espetáculo sublime, desde que o contemplamos no cinema ou do alto de um
penhasco, mas nunca se estivermos dentro de um barco no coração da
tempestade, quando então, o pânico varre de nossos corações todo e
qualquer outro sentimento. Este exemplo, especificamente, ilustra um
desdobramento do conceito, chamado por Kant de Sublime dinâmico, aquele
onde consideramos, na contemplação do espetáculo, as forças infinitas em
relação às quais estamos protegidos. Nesse sentido, há um parentesco
entre o Sublime dinâmico e o sentimento de respeito, na medida em que
ambos são de ordem privativa: no respeito, deixamos de agir, nos
privamos de algo em função de outra pessoa, pessoa essa que representa
algo infinitamente superior aos nossos anseios volitivos, a saber, a
dignidade humana. Do mesmo modo, no sentimento estético de Sublime
dinâmico, é justamente a impossibilidade de experimentar para além do
pensamento, estas forças avassaladoras, a causa do sentimento e da
vertigem, é quando então falamos de “um espetáculo de respeito!” ou de
“uma senhora tempestade”. Voltaremos depois a esse parentesco que estou
criando agora enquanto escrevo.
O outro tipo de Sublime, o Sublime
matemático, diz respeito à consideração de grandezas, abstratas, mas
também capazes de nos deixar tontos, como as grandes sequências de
equações em um sistema algébrico e teoria dos grupos, as vastidões do
espaço descortinadas pela astrofísica, a profusão de imagens em um filme
de Peter Greeneway ou mesmo o nome de todas as naus e seus marinheiros
que partiram do Peloponeso para guerrear em Tróia e que pareciam ser
conhecidas “de cour” por Homero e todos os aedos da época. A propósito,
para cunhar esse conceito de Sublime, Kant se inspirou em uma teoria
literária de um obscuro latinista romano, conhecido como Pseudo
Longinos, autor de um tratado de estilística chamado DO SUBLIME, onde se
considerava justamente os excessos recursivos da prosa literária em
busca de efeitos arrebatadores... Nesse breve apontamento quero deixar
esboçada a pertinência de um terceiro tipo de sentimento Sublime, que
batizo de “Sublime cronológico”. Sempre que vemos o tema, romântico “par
excellence”, de ruínas, sentimos que ele transborda, e muito, a mimosa
compreensão que dele possuem os críticos quando enquadra esse tema no
conceito de “pitoresco”.
De fato, há nessas telas de grandes ou
singulares escombros, todos os elementos do pitoresco: a linha sinuosa e
quase abstrata dos contornos, a entourage bucólica, o domínio da
natureza sobre a efêmera vaidade humana, enfim, todos os requisitos da
alma pastoral. Também vemos, explicitamente, a alusão a grandes
estruturas arquitetônicas que, mesmo corroídas, nos evoca traços do que
expliquei a pouco, do Sublime matemático. O que pretendo apontar nessas
telas como sendo da ordem de um sublime cronológico seria precisamente a
ação devastadora das forças do tempo, a ação erosiva de séculos ad
séculos seculorum roendo cada pedra, cada coluna, enrugando e manchando a
lisa pele de mármore dos ídolos caídos. É justamente por,
aparentemente, não se sentir a ação do tempo - que no entanto nos
desgasta por dentro como uma porcelana esquecida no armário -, e ver na
tela ou no site turístico os efeitos deletérios dessa força
aparentemente insensível, é que sentimos um arrebatamento semelhante ao
que sentimos ao contemplar outras epifanias e turbilhões da natureza
dinâmica, conforme os míseros exemplos que citei acima.
Que fique
incompleto esse esboço, pois que não pretende, por hora, ser outra coisa
além de um romântico croqui.
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