segunda-feira, 11 de abril de 2016

SERIAL LOVE! Ou Uma Flecha no Coração do Tempo!






No ano da graça de Nosso Senhor de 2129, o cyborg Renier se apaixonou pela garçonete-robô da estação orbital Júpiter Huit, durante uma quarentena no local antes de voltar para a terra.
 
Para ela, no tédio da sua cabine onde se poderia ver as luas gigantescas de júpiter sob o fundo gasoso do planeta ocupando mais da metade do seu horizonte visual, ele escreveu um conto de amor que resumirei aqui, sem o estilo incompreensível e as metáforas bizarras de um sentimento digital, o que quer que venha a ser isso. 

O conto era sobre um japonês agricultor submarino, no ano de 2081, que se apaixonou por Hiro Ozu, a prefeita da Cidade submersa de Akkiwaga. Mesmo usando o dia inteiro a máscara que lhe permitia respirar debaixo d’água – a ela e a todos os 85 mil moradores da grande fenda oceânica -, ela era linda e seus olhos pareciam brilhar mais do que os mil iridescentes tentáculos de peixes abissais que circulavam ao redor quando eles deslizavam juntos pela grande corrente, montados sobre um grande cachalote amestrado. Com medo de se declarar para ela, Oshygan, o japonês das algas mais deliciosas do planeta, escreveu para sua amada um curto romance que meu sofrível japonês só me permite descrever em linhas gerais: era um romance que se passava na primavera de 2039. Após participar da última batalha no deserto de Mojido, quando a última falange do Grande Califado fora extinta, o jovem israelita Ben Atalev foi hospitalizado para o implante de seu cérebro no corpo de um clone cultivado para casos extremos como o dele, quando grande parte do seu corpo fora danificado pelos ferimentos de guerra. Cuidou dele uma linda enfermeira libanesa, de nome Penina Gusmael. Às primeiras colheradas de sopa que ele recebeu na sua nova boca pelas mãos suaves e maternas da morena de damasceno hálito, Ben Atalev caiu de amores, e tão estranho é o amor na alma de um soldado que ele pensou, por muitos dias, que aquele sentimento era alguma coisa não resolvida e pertencente ao corpo do clone onde ele fora reimplantado. Quando, por fim, entendeu que a amava de verdade, com essa convicção inexplicável que é a certeza mais inabalável dos apaixonados, teve medo de se declarar. Resolveu então escrever para ela um conto de amor, algo que lhe parecia obsoleto e ultrapassado, mas que ele poderia atribuir ao atavismo do seu povo, que, para além dos corpos substituíveis, carregava a invenção da literatura na alma! Escreveu em um hebraico imutável a história do agiota e poeta nas horas vagas, Cassiano Ribeiro Santos, este que hora digita essas mal formatadas linhas. 

Como meus predecessores nessa alinhavada trama, eu também me encontro apaixonado, sem, contudo, saber exatamente por quem. Vasculhei todo o meu perfil para ver quem seria a pernoca que estava monopolizando o meu coração: Suzette, Danny, Úrsula, Gerúsia, Belina, Helga.. Não sabia por quem. Foi quando tive a ideia de publicar esse rascunho na minha rede social para que a dona do meu coração se manifestasse, afinal, podemos esconder ao máximo uma paixão secreta por u’a mulher, mas ela sempre o saberá! Publiquei e tantas pessoas curtiram, tantas comentaram e compartilharam, tantas disseram serem elas a dona do meu coração que o texto viralizou, correu o planeta inteiro em dezenas de traduções imperfeitas e cinco milhões de likes. Tão intenso fora a impressão de ser verdadeiro e mágico esse meu sentimento que, ao ler o conto do soldado judeu onde o meu cibernético e pastoral amor estava registrado, a doce enfermeira libanesa, Penina Gusmael, não resistiu aos eflúvios apaixonados do autor. Onisciente como todo escritor, o Atalev sabia o nome e a intensidade de todas aquelas que me amam, descrevendo em seu conto os arrebatados dilaceramentos das fantasias amorosas. Foi inevitável o contágio, epidêmico que é o amor. Penina se entregou de corpo e alma ao Ben Atalev, tornando-se a carne da sua nova carne. Um amor tão nobre e ardente que, quando Hiro Ozu, a prefeita da cidade submarina, leu o romance onde toda essa romântica série era contada em riqueza de detalhes pela escrita suntuosa do agricultor Oshygan, não teve dúvidas de ter encontrado nele, em sua imaginação tão requintada, o amor da sua vida, e que ele poderia lhe salvar das águas profundas do esquecimento ao lhe retratar como personagem em um de seus futuros romances passionais. 

Com um mesmo efusivo, inventado e verdadeiro amor ela o aceitou que, ao ser lida a cena do casamento dos dois apaixonados submersos, encheu-se de lágrimas as válvulas da garçonete-robô, suspirando no depósito de máquinas e decidida a, no outro dia, aceitar o convite do cyborg Renier para um passeio sideral até os anéis de saturno, logo ali perto, para neles celebrarem um amor que, sabia agora, estava escrito eternamente na órbita enlouquecida de todos os astros! E que todos os amantes do futuro, por essa flecha de cupido atirada no coração do tempo, possam lhes agradecer por terem anonimamente participado, com seus compartilhamentos e likes, desse episódio prenhe de auspiciosas fatalidades!
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