Na infância as manhãs são altas, na juventude as tardes são largas, na velhice as noites são profundas! |
_ Passei toda a minha vida de seminarista, em um monastério na Alemanha, procurando entender o mistério da Santíssima Trindade. O porquê de Deus ser composto por três pessoas e considero um milagre que um dia, tenha-me sido revelado que não apenas Ele, mas tudo e todos na sua criação, o SER de tudo que existe, possuir três faces, três modos de ser apreendido e experimentado. A esses três modos, como jovem filósofo que eu era antes da 2ª Guerra, dei-lhe os pomposos nomes de COMPLICACIO, EXPLICACIO E CONSUMACIO, e venho, ao longo dos anos, polindo-os com uma miríade de exemplos para lhes dar a consistência de conceitos universais – Ludugero não se desgrudava de um livro em alemão, do filósofo e médico árabe, Avicena, a Metafísica do Shifá ( A Metafísica do Consagrado) e confessava ter sido esse autor a sua grande inspiração. Neste livro, Avicena comenta a metafísica de Aristóteles, apontando para a existência de uma terceira modalidade das essências, que a batiza de Essência Neutra, diferente da essência lógica universal (o gênero e a espécie) e da essência individual (a substância física primeira). Como exemplo do Avicena, para além do cavalo individual, este ou aquele cavalo no pasto, e do cavalo lógico, a espécie cavalo, haveria um terceiro e prévio modo de ser da essência: a cavalidade! Enquanto os cavalos físicos são apreendidos pela sensibilidade e o cavalo lógico, a espécie, era objeto do intelecto abstrativo, esse terceiro modo, a cavalidade, era algo apreendido somente pela intuição, algo não sensorial nem cognitivo, uma intensidade, um grau de potência (quando falamos “uma fome de Leão”, sentimos uma leonidade; de um medo na escuridão, tememos uma entidade ou falamos de hombridade para atitudes dignas de um verdadeiro homem....). Ludugero também gostava de chamar esse terceiro modo da essência de “Essência nua”, despida das vestes individuantes e das cortinas universais! dizia que tudo no mundo poderia ser explicado pelos seus três conceitos, deste esquema derivado: o COMPLICACIO fazia às vezes da substância física, o ser no seu modo de concretude singular; o EXPLICACIO seria esse mesmo ser apreendido de maneira expandida, discriminada em parte-extra-partes enquanto o seu último conceito, o de CONSUMATIO, seria o modo como esse ser era vivido, a sua relação com a alma que se relaciona e é, por esse ser, afetada. Aos poucos ele ia diferenciando seu esquema da filosofia do sábio oriental e revelando a originalidade da sua intuição filosófica através de uma miríade de exemplos, dos quais me ficaram alguns, e que passo a enumerá-los sem outro critério além da ordem caprichosa das lembranças. Abrindo os braços para o amplo horizonte, ele me falava do dia luminoso, composto pela manhã, tarde, entardecer e madrugada. Esse era o tempo em seu modo COMPLICACIO. No modo EXPLICACIO, as quatro estações correspondiam aos tópicos do conceito anterior. A primavera era a manhã, o verão era o meio dia, o outono era o entardecer e o inverno, a noite profunda! Em seguida, costurando e unindo os dois modos de intuir o tempo cósmico, como o gonzo de uma porta feita de duas bandas por ele unidas, falava do CONSUMATIO, a vida que percorre e se esgota nesses trilhos do tempo, a infância como a primavera e manhã da vida, a juventude como sendo um verão no meio-dia de nossa existência; o outono era a maturidade com sua luz azimutal e alciônica, o entardecer dos homens e, por fim, a velhice, o inverno, a neve nos cabelos e a noite do mundo! Era essa “Einfühlung”, esse “sentir de dentro” esse vivido que conferia poesia e metafísica aos outros dois modos, pois era O CONSUMACIO a modalidade propriamente vital, espiritual e metafísica do Ser! Lembro-me de um corolário espirituoso que ele sempre usava: “Os quarenta anos é a noite da juventude e os cinquenta, a manhã da velhice!”, para traduzir a consumação inexorável da sua vida! Em minha segunda visita – foram sete tardes seguidas em uma inesquecível semana de férias – ele me apresentou outro exemplo da sua visão metafísica do Ser: a Filogênese e a ontogênese, o desenvolvimento do indivíduo e a sua espécie. O COMPLICACIO era o feto de um ser humano dentro do útero da sua mãe. Ali, a ciência afirma, o embrião repete todas as fases da história natural da vida sobre a terra. É um girino, depois é um peixe, depois um réptil, um mamífero e, finalmente, um primata que nasce incompleto e segue evoluindo fora do útero, onde desenvolve o cérebro e as faculdades específicas do Homo Sapiens. A versão EXPLICACIO desse fenômeno é a própria História natural da espécie humana, sua amplitude no palco da terra como um útero gigantesco, os pequenos aglomerados de células dos mares pré-históricos, os eucariontes, os peixes, anfíbios, répteis e primatas resolvidos e expressos, multiplicando na linha do tempo, as virtualidades que o embrião implica no seu modo singular. Nesse caso, o modo CONSUMACIO era a constituição da nossa psique que, segundo Ludugero, repetia no plano da alma vivente essa pantomima sublime e magistral. Não era apenas a nossa sexualidade que, como bem explanou Sigmund Freud, repete as fases embrionárias e evolutivas do ser vivo, nos conferindo uma fase oral (o peixe que fomos quando cardumes no plioceno e quando sugamos o seio da mãe, a fase anal dos répteis e aves que usam a cloaca para se reproduzir até chegarmos à sexualidade genital do Homem concluso mas que ainda pode desviar sua sexualidade, regredindo para fases antigas, conforme o bestiário das perversões sexuais nos relata), é toda a nossa alma que refaz esse percurso ao longo da sua consumação. Temos a coragem de um leão na juventude, e o sangue frio de um réptil, somos sociáveis e gregários como um cardume de peixes, mas também somos egoístas como um macaco; a plasticidade de uma ameba e a rigidez de um cágado! Ludugero se empolgava ao tecer longas comparações filosóficas entre o homem e os animais, coisa que a literatura não cansou de fazer ao longo dos tempos, mas tendo ele, o Filósofo pecuarista do Marçal, um vigoroso esquema conceitual e sua estupenda intuição correlata e original a servir de substrato e fundamento, conferindo ares e rigores científicos ao seu denodado discurso de profeta e mago! Confesso que me entusiasmei com a sua tese e peço desculpas por esse meu entusiasmo! Na terceira tarde ele usou de exemplos mais simplórios, mas não menos originais para ilustrar A TRINDADE, como batizei depois seu sistema filosófico. Falou-me sobre o surgimento da vida como um fenômeno de superfície. No modo EXPLICACIO, mostrou-me como todo o palco da vida era composto de superfícies ou extremidades. Uma galáxia periférica em um conglomerado de galáxias, um sistema solar em braço marginal dessa galáxia, um planeta relativamente afastado da estrela central desse sistema solar e, mesmo nesse planeta, a vida surgindo na superfície da sua crosta e de seus mares, na fina biosfera entre os oceanos de água e de ar. Essa superficialidade da vida, no modo COMPLICACIO, se traduz no fato da vida surgir essencialmente como um efeito de membranas, a criação de uma membrana separando o interior do exterior e respondendo doravante por todos os fenômenos vitais. A auto-pôiesis não sendo outra coisa além dessa constituição de um limite, de uma membrana que se replica e que ganha no tempo conquistado de uma eternidade de vida reprodutiva, aquilo que perdeu no espaço. O modo CONSUMACIO dessa superficialidade vital encontra-se na profunda (perdoem-me a catacrese) sabedoria dos dermatologistas quando alegam que o mais profundo é a pele! Não apenas a nossa pele somatiza e traduz todas as afecções patológicas do organismo, como é na pele, e em seus órgãos nela alojados, que experimentamos o mundo, que respondemos aos estímulos, que se localiza a nossa alma! Oh! Como gostaria que vocês vissem com que pujança intelectual e propriedade o meu amigo Ludugero resolveu esse clássico problema de filosofia que tortura a humanidade desde o tempo do velho Descartes, a sede, o LOCI da alma! No quarto encontro ele continuou sucinto e despachado, apresentando, como de costume, um exemplo apenas, pobre e miserável, talvez só para aguçar minha curiosidade. Falou-me, na ocasião, de algo relacionado ao tema anterior, as doenças, se não me engano, tanto tempo já se passou. A bactéria, o vibrião, o germe, os micro-organismos à doenças associados eram o mal em seu modo COMPLICACIO. No modo EXPLICACIO, encontramos as longas etiologias, os sintomas, os quadros clínicos, as prescrições e as profilaxias, o discurso médico e universal. No modo CONSUMACIO, a epidemia, o pânico, os contágios, a volúpia desbragada de quem sabe que vai morrer e se entrega aos delírios orgíacos da peste, mas também a sede de poder que assalta os administradores, os vigias, os médicos carcereiros e os enfermeiros policiais do corpo e do controle sanitário! Um quadro de terror medicinal, desta vez pintado pelo estudioso alemão, e que findou por não marcar muito minha memória, visto os traumas que tenho por tantas maleitas e moléstias de menino perebento do Rio Verruga que fui um dia (e que ainda sou a se confirmar as teses que hora exponho). No quinto dia o céu brilhava radiante, era uma estupenda tarde de verão e meu preceptor decidiu falar sobre a luz (acredito hoje que seus cadernos cheios de apontamentos não passavam de um teatro a lhe conferir rigores de um pesquisador e que ele falava tudo mesmo de improviso, o que só iria aumentar aos meus olhos a sua genialidade). Sobe a luz ele disse que seu modo COMPLICACIO era o raio intenso e puramente ondulatório da luz, sem nenhuma outra qualidade além das propriedades físicas; seu modo EXPLICACIO acontecia quando esse raio de luz encontrava uma atmosfera ou uma superfície difrataria fazendo ele, o raio, se escandir e abrir no espaço seu leque de cores, de vibrações luminosas, de diferenciadas amplitudes e espectros. O CONSUMATIO, entretanto, se daria apenas quando um ser vivo surgisse para contemplar e contrair aquelas frequências, emprestando-lhes a memória como o anteparo onde as cores pudessem ganhar sua incidental peculiaridade de ser o que realmente são: aquelas indescritíveis sensações luminosas que achamos que sabemos o que estamos a dizer quando falamos seu nome! Para confirmar o que dizia, ele passou longos minutos me explicando o que era a Gestalt, a psicologia das formas que explica como a percepção das cores é inseparável de um contraste entre elas e que só um cérebro animal pode realizar essa sutil e complexa operação analítica. Sabia que, se tudo no universo fosse de uma mesma cor e mesmíssimo tom, jamais o perceberíamos? – Perguntava-me incisivo - Que no mundo da pantera cor-de-rosa, onde tudo fosse rosa, ela mesma jamais saberia que estava enfim no seu mundo e se tornaria cega? (somente muitos anos depois é que fui me atinar para as implicações existenciais dessa aparentemente ingênua pergunta; eu ainda não era um especialista no modo CONSUMACIO de ver as coisas!). Esse foi um dia especial durante a semana, pois foi nesse dia que tive uma intuição do seu método na forma de um simplório exemplo que lhe apresentei e que muito o agradou: sugeri que os mapas e as cartas de navegação seriam o modo COMPLICACIO do espaço geográfico (eu era apaixonado por mapas então). O modo EXPLICACIO era o espaço físico correlato, as montanhas reais, os oceanos revoltos, os desertos e as neuróticas cidades. O CONSUMACIO seria então as viagens! As expedições! As aventuras, a cabotagem e as grandes navegações! Ele gostou muito do meu exemplo. Disse-me depois que eu lhe forneci um modo de concatenar mais ainda os três modos do Ser, pois ele servia para ilustrar como a falta de um deles pode ser uma ausência monumental. Pensava ele no tédio de um cartógrafo sempre confinado ao cubículo do seu trabalho, às platitudes do papel, sem nunca sentir o EXPLICACIO vento das viagens em seu rosto, e pensava também na tragédia de um viajante a errar pelo mundo sem o norte, sem o mapa, sem o COMPLICACIO onde apoiar suas nômades mãos! É como um tripé de um fotógrafo – me dia ele – o Ser do mundo. Se faltar uma perna, cai! Somos o animal com três pernas previsto pela esfinge de Tebas!
Finalmente, chegou o Sábado, o sexto dia de suas preleções! Como Judeu que éramos – e somos – esperava para essa tarde sabática uma grande preleção. Ludugero decidiu refletir e aplicar sua tese sobre a arte universal. Para ele, o COMPLICACIO de todas as artes era o Teatro, as primeiras encenações primitivas, de caráter mágico-religioso que vemos em todas as sociedades da história. No Teatro, complicadas, estão todas as outras manifestações do espírito estético: A literatura na forma de narrativas míticas, nos roteiros encenados; A arquitetura dos cenários, a música, a dança, a pintura nos rostos e paisagens, a escultura... Tudo encaixado como os gomos de uma tangerina. Com o desenvolvimento das civilizações, esses pendores estéticos começam a se diferenciar ganhando autonomia. Primeiras a Literatura e a música, depois a pintura e a escultura, e logo todas as expressões artísticas da humanidade descortinam sua face EXPLICACIO, libertando assim o teatro do seu papel monopolizador. Foi preciso, entretanto, esperar milênios para que a face CONSUMACIO das artes aparecesse sobre a terra, e isso se deu quando surgiu o Cinema! O cinema foi a expressão artística que permitiu a todas as artes se fundirem em uma única e mesma experiência estética, emprestando suas características umas às outras e nelas todos os gabaritos se fundindo. Na montagem cinematográfica podemos esculpir, reger, cruzar arquiteturas, habitar cenários, pintar sentimentos e mimar todas as afecções da alma de um modo que o teatro cru jamais poderia fazer. No teatro, mesmo sobre o palco, somos exteriores ao drama encenado, no cinema, mesmo fora da imagem projetada, somos personagens. (Brecht pode criar o método do distanciamento no Teatro, o que seria algo absolutamente impossível no cinema). Seguiu-se nessa tarde uma longa lista de filmes – a maioria eu nunca tinha visto então - onde sua definição do Cinema ganhava contornos e territorialidade existenciais, enquanto seu conceito de Consumacio ganhava ali definitivos universos de referência. Honestamente, eu relutei em aceitar essa classificação, pois sempre acreditei ser a literatura a rainha das artes, a eminente expressão “par excelence” do espírito humano, mas ele conseguiu me convencer com um cabedal de argumentos aristotélicos, entre os quais, me recordo, o fato da imagem ser mais próxima do real, ser mais imanente, enquanto a linguagem pressupunha um convencionalismo arbitrário, uma significação problemática capaz de filtrar o aspecto extremamente vitalista, orgânico e sensorial que caracterizava o que ele definia como CONSUMACIO. Dei-me por vencido na hora, mas ainda voltarei a essa questão! Com isso encerramos o encontro de Sábado e dormi ansioso esperando o seu último exemplo. Era um domingo de horas arrastadas quando, nas fazendas do interior, havia um velho costume de nada se fazer, nem mesmo ordenhar o gado ou labutar no pasto. Depois de um laudo almoço, Ludugero me falou da sua visão mística da Santíssima Trindade: A face COMPLICACIO de Deus era o seu filho Jesus feito homem, esvaziado da onipotência, mas guardando nele os vestígios dos atributos divinos em seus inúmeros milagres e na Fé sem limites que demonstrou possuir. Enquanto os homens comuns possuem, de infinito neles, a vontade, o livre-arbítrio, Jesus sacrificou sua Vontade em nome da sua Fé, pois conhecia o Deus que foi um dia e voltou a ser. Era essa Fé infinita a marca da sua divindade complicada em um corpo humano limitado, frágil e mortal. Após ressuscitar e subir aos Céus, Jesus derrama e faz manifestar na terra o Espírito Santo, o Deus EXPLICACIO, o Deus aberto como abertas as asas da pomba que o simboliza. Durante quase dois milênios, sua Fé, seu poder e seu nome se espalhou sobre o mundo, suas palavras foram ouvidas e pregadas em todos os cantos da terra. Os milagres deixaram de ser locais para ocupar todo e qualquer lugar onde homens de Fé implorassem a intersecção de um Deus que deixara de ser tribal e de um povo, para ser um DEUS expandido para todo o universo onde o homem viesse a pisar. Igrejas foram construídas, obras sem fim foram realizadas e a história da humanidade quase sempre se misturou à história de seus pastores e seus padres. Mas veio enfim o dia em que, assim como aconteceu com o Filho, que foi julgado, condenado, morto e ressuscitado, o Espírito Santo começou a morrer: a Ciência, a Técnica, o progresso e o esquecimento dos homens começaram a minar a presença do Espírito Santo entre os povos e nações. Filósofos apressados falavam na morte de Deus, e, de fato, Deus morria um pouco a cada dia e a cada ano dos séculos dezenove e vinte. Os três dias da paixão de Cristo foram para o Deus-Complicacio o que dois séculos foi para o Espírito-Explicacio. A Fé morria, Deus não mais explicava nada, o mundo mergulhou em guerras medonhas e nações comunistas e ateias onde a vida era mais infernal do que a própria guerra. É nesse mundo que hoje vivemos, me disse Ludugero com uma tragicidade no olhar de bronze que jamais esquecerei, mas, sinto e lhe garanto, meu velho (acho que esse meu velho ele aprendeu com o Gatsby do Fitzgerald, que amávamos na mesma proporção), que, tão logo o Espírito Santo suba aos Céus como o Filho subiu um dia, a consumação final se dará e, dos céus rajados entre nuvens de mil megatons, o Magnífico Deus JEOVHA, o DEUS_CONSUMACIO irá descer com seu cortejo de anjos esplêndidos, julgar nossas almas e estabelecer o seu Reino definitivo sobre a Terra. Então nós, que até agora vemos em parte, como dizia o apóstolo Paulo, veremos o todo e de modo integral. E esse todo nada mais será do que as três faces do SER, as três faces de tudo que existe e que pode ser pensado, reunidas em uma só visão transcendental. Do mais ínfimo fenômeno de uma mosca na sua sopa, até o espetáculo dos anjos batalhando entre galáxias, tudo será tridimensional. COMPLICACIOS, EXPLICACIOS E CONSUMATIOS encherão de luz e de vida nossos olhos e pensamentos limitados. As paixões moventes que a musica nos incitam sem que saibamos o que realmente significa, serão encenadas dentro de nossas almas, as equações matemáticas terão arestas e lados, a poesia arrastará no seu volume a coleção sem álbum de suas metáforas, e tudo veremos, e tudo saberemos SUB-SPECIE AETERNITATIS! Espinosa viu isso no final de sua obra e morreu de desgosto ao descobrir que havia deslumbrado o ceu por uma janela de contrabando, ao pensar um anódino e pálido Deus impessoal. Platão, Abelardo...
A partir desse momento, Ludugero passou a fazer uma leitura minuciosa e historicizante da Filosofia ocidental seguindo esse seu esquema filosófico que aqui rudemente vos apresentei. Como Hegel, que julgava ter a filosofia encontrado nele o seu corolário e escopo final, Ludugero também julgou ser a última palavra filosófica da humanidade; com muita propriedade acredito, pois, cada novo filósofo que aparece transforma toda a história já acabada em algo absolutamente novo e por sua nova doutrina reformulada, como um copo de tinta que muda de cor completamente quando nele enfiamos um pincel com uma outra e distinta tonalidade. Deixo para outra oportunidade resenhar o que ele escreveu durante os anos posteriores, tudo em seus cadernos registrados, o desenho da História Trina. Por conta apenas da memória caprichosa, que só agora me fez lembrar desse detalhe, Ludugero gostava de dizer, quando orava, que Jesus, ao morrer, havia secretamente saudado o seu Pai eterno ao proferir suas últimas palavras que as empresto aqui, temendo não estar a cometer um sacrilégio e o pecado imundo da vaidade: EST CONSUMATIO!
@Cassiano Ribeiro Santos
In childhood, mornings are high, in youth, afternoons are long, in old
age nights are deep!
I
met the philosopher Ludugero Heinck - I don't know if he would allow himself to
be called that - in the distant year of 1978, when he was a first year high
school student in Vitória da Conquista. School holidays, I spent them on an
uncle's farm, in whose house in the city I was staying and, on this farm near
the Marçal mountain range, I used to ride long mornings through the properties
of the place, crossing gates and gates, hovels with skeletal and brave dogs, and
comfortable and terraced seats where I happened to stop to rest, drink water
and coffee, discovering the world with the abrasive curiosity of 15 years old!
It was on one of these solitary rides that I met the character of this story,
an austere gentleman with long white hair and strong arms, personally taking
care of the pruning of a hedge of bougainvillea that adorned the fence of his
property. I don't remember what we talked about, but as soon as I heard about
my interest in books and magazines - I lived from house to house pleading for
anything that could be read - he invited me in. He wanted to get rid of an old
collection of comic books and he seemed to have found the ideal recipient in
me. I became your friend; of him and his monumental library to occupy an entire
wall of his room. But it was only three summers later, when I was already close
to his home, coming and going without warning, that he had decided to confide
in me a secret that he thought was the greatest discovery in the field of
speculative philosophy ever made in human history. It was on the side porch,
overlooking a meandering and dazzling backdrop of trees and mountains, that he
read to me his old stolen papers. I will summarize what I learned from him,
without his brilliance and his ease:
I spent my whole life as a
seminarian in a monastery in Germany, trying to understand the mystery of the
Holy Trinity. Why God is composed of three people and I consider it a miracle
that one day, it was revealed to me that not only He, but everything and
everyone in his creation, the BEING of everything that exists, having three
faces, three ways of being apprehended and experienced. In these three ways, as
a young philosopher that I was before World War II, I gave him the pompous
names of COMPLICATION, EXPLANATION AND CONSUMPTION, and I have, over the years,
polished them with a myriad of examples to give them consistency of universal
concepts - Ludugero did not detach himself from a book in German, by the Arab
philosopher and physician, Avicenna, the Metaphysics of Shifá (The Metaphysics
of the Consecrated) and confessed that this author was his great inspiration.
In this book, Avicenna comments on Aristotle's metaphysics, pointing to the
existence of a third modality of essences, which he calls Neutral Essence,
different from the universal logical essence (gender and species) and
individual essence (the first physical substance) . As an example of Avicenna,
in addition to the individual horse, this or that horse in the pasture, and of
the logical horse, the horse species, there would be a third and previous way
of being of the essence: chivalry! While physical horses are apprehended by
sensitivity and the logical horse, the species, was the object of abstract
intellect, this third mode, chivalry, was something apprehended only by
intuition, something neither sensory nor cognitive, an intensity, a degree of
power ( when we speak of “a Lion's hunger”, we feel a leonity, of a fear in the
darkness, we fear an entity or we speak of manliness for attitudes worthy of a
true man ...). Ludugero also liked to call this third mode of essence “Naked
essence”, stripped of individual clothes and universal curtains! he said that
everything in the world could be explained by its three concepts, from this
derived scheme: COMPLICACIO sometimes made physical substance, being in its
singular concreteness mode; EXPLANATION would be the same to be apprehended in
an expanded way, broken down into part-extra-parts, while its last concept,
that of CONSUMATIO, would be the way this being was lived, its relationship
with the soul that is related and is, for that being, affected. Gradually he
was differentiating his scheme from the philosophy of the Eastern sage and
revealing the originality of his philosophical intuition through a myriad of
examples, of which I have some, and which I will list them without any
criterion other than the capricious order of memories. Opening his arms to the
wide horizon, he spoke to me of the bright day, composed of morning, afternoon,
evening and dawn. That was the time in its COMPLICATION mode. In EXPLANATION
mode, the four seasons corresponded to the topics of the previous concept.
Spring was morning, summer was noon, autumn was dusk, and winter, deep night!
Then, sewing and uniting the two ways of intuiting cosmic time, like the hinge
of a door made of two bands united by him, he spoke of CONSUMATIO, the life
that runs and runs out on these tracks of time, childhood as spring and morning
of life, youth as a summer at noon of our existence; autumn was maturity with
its azimuth and alkionic light, the evening of men and, finally, old age,
winter, snow in the hair and the night of the world! It was this “Einfühlung”,
this “feeling from within” that experience that gave poetry and metaphysics to
the other two modes, because CONSUMACIO was the very vital, spiritual and
metaphysical modality of Being! I remember a witty corollary that he always
used: “Forty is the night of youth and fifty is the morning of old age!”, To
translate the inexorable consummation of his life! On my second visit - seven
afternoons in a row in an unforgettable vacation week - he presented me with
another example of his metaphysical vision of Being: Phylogenesis and
ontogenesis, the development of the individual and his species. COMPLICACIO was
the fetus of a human being inside his mother's womb. There, science says, the
embryo repeats all phases of the natural history of life on earth. It is a
tadpole, then it is a fish, then a reptile, a mammal and, finally, a primate
that is born incomplete and continues to evolve outside the womb, where the
brain and the specific faculties of Homo Sapiens develop. The EXPLANATORY
version of this phenomenon is the very natural history of the human species,
its amplitude on the earth stage as a gigantic uterus, the small clusters of
cells from prehistoric seas, eukaryotes, fish, amphibians, reptiles and
primates resolved and expressed , multiplying in the timeline, the virtualities
that the embryo implies in its singular way. In this case, the CONSUMER mode
was the constitution of our psyche, which, according to Ludugero, repeated this
pantomime on the plane of the living soul
Finally, Saturday came, the
sixth day of his lectures! As a Jew that we were - and we are - I expected a
great lecture for that Sabbath afternoon. Ludugero decided to reflect and apply
his thesis on universal art. For him, the COMPLICATION of all arts was the
Theater, the first primitive performances, of a magical-religious character
that we see in all societies in history. In Theater, complicated, are all the
other manifestations of the aesthetic spirit: Literature in the form of mythic
narratives, in the staged scripts; The architecture of the scenery, the music,
the dance, the painting on the faces and landscapes, the sculpture ...
Everything fit together like the tangerine buds. With the development of
civilizations, these aesthetic inclinations start to differentiate and gain
autonomy. First Literature and music, then painting and sculpture, and then all
artistic expressions of humanity reveal their EXPLANATION face, thus freeing
the theater from its monopolizing role. However, it was necessary to wait for
millennia for the CONSUMER face of the arts to appear on the earth, and that
was when Cinema appeared! Cinema was the artistic expression that allowed all
the arts to merge into one and the same aesthetic experience, lending their
characteristics to each other and in them all the templates merging. In
cinematographic editing, we can sculpt, rule, cross architectures, inhabit scenarios,
paint feelings and pamper all the affections of the soul in a way that raw
theater could never do. In the theater, even on the stage, we are external to
the staged drama, in the cinema, even outside the projected image, we are
characters. (Brecht can create the distancing method in theater, which would be
absolutely impossible in cinema). That afternoon was followed by a long list of
films - most of which I had never seen before - where his definition of cinema
gained existential contours and territoriality, while his concept of Consumacio
gained definite reference universes there. Honestly, I was reluctant to accept
this classification, as I always believed literature to be the queen of the
arts, the eminent expression “par excelence” of the human spirit, but he
managed to convince me with a wealth of Aristotelian arguments, among which, I
remember, the fact that the image is closer to the real, more immanent, while
language presupposed an arbitrary conventionalism, a problematic meaning
capable of filtering out the extremely vitalist, organic and sensorial aspect
that characterized what he defined as CONSUMER. I gave up on the spot, but I
will come back to that! With that we ended Saturday's meeting and slept
anxiously waiting for his last example. It was a Sunday of dragging hours when,
in the countryside farms, there was an old custom of doing nothing, not even
milking the cattle or toiling in the pasture. After a luncheon lunch, Ludugero
told me about his mystical vision of the Holy Trinity: The COMPLICATION face of
God was his son Jesus made man, emptied of omnipotence, but keeping in him the
vestiges of divine attributes in his countless miracles and in the Faith
without limits it has shown to possess. While ordinary men have the will, the
free will, infinite in them, Jesus sacrificed his Will in the name of his
Faith, because he knew the God who was once and became. This infinite Faith was
the mark of his complicated deity in a limited, fragile and mortal human body.
After resurrecting and ascending to Heaven, Jesus pours and makes manifest on
earth the Holy Spirit, the God EXPLAINING, the God open as the wings of the
dove that symbolizes him open. For almost two millennia, his Faith, his power
and his name spread over the world, his words were heard and preached in every
corner of the earth. Miracles are no longer places to occupy any place where
men of faith implore the intersection of a God who had ceased to be tribal and
a people, to be a GOD expanded to the entire universe where man came to tread.
Churches were built, endless works were carried out and the history of mankind
has almost always mixed with the history of its pastors and priests. But the
day finally came when, as with the Son, who was judged, condemned, dead and
resurrected, the Holy Spirit began to die: Science, Technique, progress and
forgetfulness of men began to undermine the presence of the Holy Spirit among
peoples and nations. Hurried philosophers spoke of the death of God, and
indeed, God died a little each day and each year of the nineteenth and
twentieth centuries. The three days of Christ's passion were for the
God-Complication what two centuries were for the Spirit-Explanation. Faith
died, God explained nothing more, the world plunged into hideous wars and
communist and atheist nations where life was more hellish than war itself. It
is in this world that we live today, Ludugero told me with a tragic bronze
lookFrom that moment on, Ludugero began to make a thorough and historicizing
reading of Western Philosophy, following this philosophical scheme that I have
rudely presented to you here. Like Hegel, who believed that philosophy found
its final corollary and scope in it, Ludugero also considered it to be the last
philosophical word of humanity; I believe, therefore, that each new philosopher
that appears transforms the whole story already finished into something
absolutely new and due to his new reformulated doctrine, like a glass of paint
that changes color completely when we insert a brush with a different and
different shade. . I leave for another opportunity to review what he wrote
during the following years, all in his registered notebooks, the drawing of the
Triune History. Due only to the capricious memory, which only now reminded me
of this detail, Ludugero liked to say, when he prayed, that Jesus, when he
died, had secretly greeted his eternal Father in uttering his last words that I
lend them here, fearing that he would not be here. committing sacrilege and the
filthy sin of vanity: EST CONSUMATIO!
1 comentários :
Aplicando esse esquema filosófico sobre as horas, podemos dizer que o modo COMPLICACIO da existência das horas seja o relógio (analógico ou digital) e seus cardos; o modo EXPLICACIO seria a cadência da vida social por elas organizada, as pausas para o almoço, o rush, os fusos horários convencionados, os toques de recolher.... E o modo CONSUMACIO seria as sensações decorrentes dessa nossa inserção nessa máquina técnica e social: a rotina, a disciplina, os hábitos constituídos, o ciclo circadiano do relógio biológico....
A afinidade dessa tese com fenômenos de ordem temporal (vide mais exemplos no corpo do texto) se explica por ser uma tese de metafísica - talvez a única tese verdadeiramente metafísica já criada em língua portuguesa - e ser o tempo a mais metafísica das dimensões!
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