ditava em tudo que fosse mistério e sinal, bem que eu iria lá mergulhar pra conferir. Mas hoje... Sou lá homem de acreditar em sonhos ou miragens... Bota aí mais uma dose que sonho de velho é cachaça! Há há há há!
Bonifácio ouviu aquilo e se arrepiou. Era homem novo e acreditava em mistérios e sonhos. Principalmente em sonho dos outros. Largou da pá e da brocha, guardou seus apetrechos, desapeou sua mula e partiu para a Serra do Calibrado, lá pras bandas de Contendas do Sincorá! Chegou ao Poço da onça quase ao escurecer, a tempo dos últimos raios do sol reverenciar uma gema extraordinária no fundo arenoso e escuro do poço onde Bonifácio mergulhou sem sequer arriar as calças! Sua mão tocou no cintilante cristal. A luz subiu pelos seus nervos e explodiu no seu cérebro no exato instante em que sua esposa abria a janela do quarto:
_ Acorda, homem! Vai perder a carona de Eleutério! Você não ia pintar o armazém de Seu Zoca hoje?
_ Vou sim! Mas sonhei que já estava lá, e de lá fui até a Serra do Calibrado montado em uma mula, imagina, mergulhei...
E continuou a contar seu sonho incrível para a esposa desinteressada. Do lado de fora da janela, Coló, o velho jardineiro ouvia tudo. Esse era velho, mas não era descrente como o vaqueiro do armazém. Seu olho piscou como se vida ainda houvesse nele. Guardou suas ferramentas e sumiu, para onde, podemos pressentir. Bonifácio, que hesitava em adiar o serviço no armazém de Zoca para ir ao poço conferir aquele estranho sonho, acabou por se decidir quando a esposa do jardineiro, dona Epifânia, que ajudava o casal nas lides domésticas, informou que o marido largou do jardim e partiu no velho caminhão do filho deles, sem avisar para onde ia. Bonifácio apanhou um rifle em cima do guarda-roupa e partiu de carona com Elutério. No caminho, pediu a ele que desviasse um pouco e lhe deixasse perto do poço da Onça. De lá seguiu sozinho. Chegou a tempo de ver, do alto de um murundu, o velho Coló, de ceroulas molhadas. pulando de alegria com algo brilhando entre os carcomidos dedos. A fúria se apossou de Bonifácio, com a insidiosa facilidade com que nos iramos ao ter uma arma nas mãos – como se o ferro fosse um catalizador da maldade que paira no ar do mundo. Sem ter que mirar muito, Boninho sapecou um caroço de chumbo nas costas do velho Coló que voou literalmente no ar seco e gritou.
Sentado na cama, gritou tão alto que sua esposa, Epifânia, na cama ao lado, quase morre de susto.
_ Que foi, Coló? Tá passando bem?
_ Eu estava no jardim de Seu Bonifácio... Coló tentava recapitular para entender o que se passara.
_ É amanhã que você acertou de limpar. Deita e dorme!
Coló contou tudo. O que sonhou e o que ouviu, no sonho, o Bonifácio contar. Depois ficou mudo. Seus olhos hipnóticos fitavam a palma da mão esquerda onde um imenso diamante amarelo brilhava iluminando as telhas de barro prenhes de lagartixas. Sob a manga comprida do seu pijama, perto do pulso, um filete de sangue rubro escorria e envolvia o diamante como uma calda de ouro vermelho. Em seguida, uma rosa espessa foi se desenhando no linho da camisa, na altura do peito como se um tiro houvesse lhe varado fora a fora. Coló gritou de novo. Dessa vez, abafado, e caiu no piso de cimento por onde rolava a pedra encantada... Epifânia tentou ajudá-lo. Mas sentiu que não conseguia se mover, como se estivesse em um pesadelo, daqueles que nos imobiliza, impedindo o movimento de nossos membros ameaçados por algo ignominioso.
Foi durante o café da tarde, na casa de Seu Bonifácio, que ouvi a viúva Epifânia contar esse sonho que ela teve, quase sussurrando, para a minha filha, Sulamita, e muito mais impressionada com o marido morto a tantos anos do que com o alinhavo surreal dos episódios. Hoje não dá mais tempo, mas amanhã mesmo apanho minha moto e vou lá ao Poço buscar essa pedra. Pela lógica, ainda faltam três dias para o vaqueiro sonhar com o diamante e contar o sonho em voz alta no armazém do Zoca. Dá tempo de sobra! Hui! Gobira!
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