terça-feira, 3 de agosto de 2021

O BONECO CAOLHO DE PISKA, A PRINCESA CIGANA!

 


    Um ancestral de Cajetan, o mítico rei Borrela, o Grande, fundou, em épocas distantes, o reino de Abraxas, bem como sua capital, Muffina, e foi o primeiro a usar o buxixo, o ouro encantado, derretido e moldado em forma de coroa, feito por sua encomenda para sacralizar seu reinado. Quando morreu, com quase cem anos e após um reinado glorioso, Borrela, O Grande, endeusado pela lenda, transformou-se em uma estrela no céu e continuou a zelar por seu povo. No campo, todos sabiam vê-lo no meio das constelações para enviar desejos e orações. Confiante no poder sobrenatural de seu ilustre avô, o novo rei Cajetan, tomado de angústias sobre o destino do seu reino, instou-o a enviar-lhe alguma inspiração salutar em um sonho. Seu desejo era impedir que seus irmãos, tão logo Cajetan morresse, usurpasse o trono como tutores da sua filha Piska, e o dilapidasse sem dó até ela atingir a maioridade para ser coroada. Há muito ele pensava em selar fora de seu alcance, em um esconderijo tão misterioso, a venerada coroa, indispensável para qualquer entronização. Mas uma vez que ela tivesse idade suficiente para desafiar seus inimigos, Piska, para ser proclamada rainha, teria que ser capaz de redescobrir a antiga coroa dourada - e a prudência o proibia indicar o covil escolhido para ela, tanta a força ou a astúcia conseguem rasgar facilmente um segredo de uma criança. Obrigado assim a arranjar um cúmplice para tal e melindrosa tramoia, o rei hesitava e orava ao seu antepassado por uma inspiração. Comovido pela gravidade do caso, Borrela, O Grande, ouviu a oração de seu descendente e o visitou em um sonho para ditar um estratagema astucioso. A partir de então, Cajetan só atuaria de acordo com as instruções recebidas. Derretendo sua coroa, ele obteve um lingote de formato oblongo e comum e foi para Sincorat, uma montanha encantada que já havia sido explorada pelas aventuras  de Borrela, O Grande, contadas em outro livro. Perto do fim de sua vida, vagando por seu reino com a preocupação de controlar o bem-estar do povo e a honestidade de seus governantes, Borrela, O Grande, acampou uma noite em uma região solitária inteiramente nova para ele. A tenda real tinha sido armada ao pé de Sincorat, uma montanha caótica, surpreendente por sua sombra glauca e seus reflexos de mármore finamente lapidado. Borrela, O Grande, intrigado, tentou escalá-la enquanto o resto se organizava, batendo incessantemente com uma estaca de ferro nos flancos da montanha, como que para reconhecer sua natureza, o solo revelando-se resistente por toda parte. Alguns trechos, entretanto, o surpreenderam repentinamente, causando uma vaga ressonância subterrânea. Parado e exigindo silêncio a todos, Bobó (nome carinhoso dado ao rei Borrela pelos seus convivas) bateu fortemente em vários pontos do local suspeito e ouviu um eco abafado, que, espalhando-se pelas encostas da montanha, denotou a presença de uma grande caverna. Sentindo ali um abrigo invejável para a noite, que prometia ser fria, Borrela, O Grande, sem escalar mais, fez seu povo procurar alguma brecha que desse acesso ao covil imprevisto. Frustrado pelo fracasso de qualquer investigação, o rei, pensando na possível existência de uma abertura assoreada, abriu uma clareira na vegetação de mato-cipó, abaixo do local da sondagem, na montanha cuja base um cascalho fino invadia. Alguns operários improvisados, armados com instrumentos improvisados, descobriram, quase imediatamente, o topo de uma abóbada, em cujo flanco conseguiram abrir uma passagem restrita para um homem só. Borrela, O Grande, penetrando com uma tocha na mão no estreito corredor, rapidamente encontrou-se em uma esplêndida caverna, toda em mármore verde adornada com um estranho fenômeno geológico de enormes pepitas de ouro - representando em si uma fortuna incalculável, sujeita a 'ser multiplicada por dez vezes por aqueles que sem dúvida explorassem a espessura do maciço. Deslumbrado, Borrela, O Grande, quis, ao reservar para os tempos possíveis de desgraça ruinosa, garantir contra toda a ganância estas fabulosas riquezas, hoje inúteis para um reino feliz gozando de calma prosperidade devido ao gênio de seu fundador. Silenciando seus pensamentos, o rei se fez acompanhar por toda a sua comitiva, e a noite passou pacificamente na caverna hospitaleira. No dia seguinte, foi estabelecido um vaivém com a aldeia mais próxima, e os trabalhadores começaram a trabalhar sob a liderança de Borrela, O Grande. Liberada por eles de qualquer assoreamento, a estreita passagem primitiva tornou-se um túnel espaçoso, a meio caminho através do qual, após a evacuação da caverna, um importante portão de duas folhas foi estabelecido, desprovido de bloqueio por ordem formal do rei. Então, na frente de todos, Borrela, O Grande, que praticava magia, pronunciou dois encantamentos solenes. No primeiro, ele tornou o exterior da montanha para sempre invulnerável às ferramentas mais duras - e imperiosamente fechou, no segundo, a grossa e alta grade, imune ao mesmo tempo a quebras e afrouxamentos. Então o monarca fez revelações preciosas aos assistentes. Imediatamente, por efeitos da mesma magia, a fórmula encantada tornou-se ignorada por si mesmo, impotente doravante para recuperá-la, quando quisesse, as riquezas proibidas, Borrela só voltaria a se lembrar das palavras mágicas após a sua morte, lá no reino do Trobogi Dourado, uma espécie de purgatório onde a alma da sua linhagem real pastava asfódelos sagrados à espera da redenção.  Apenas uma vez nos séculos futuros, em caso de grandes catástrofes públicas, cujo desencadeamento ou expectativa tornasse necessário o acréscimo desses tesouros, Borrela, O Grande, já então falecido, teria a opção de revelar a um de seus sucessores, por meio de um sonho sobrenatural, o “sésamo” cabalístico que abriria os portões da caverna. Para que o futuro proprietário do tesouro tivesse a certeza de que o segredo revelado em sonho fosse mesmo eficiente, informou aos escribas do reino que as palavras possuíam alusões a um grande acontecimento relativo a ele Borrela, o Grande, uma espécie de chave de charada, para evitar viagens frustradas de futuros e ambiciosos herdeiros. Tratou-se também de noticiar antecipadamente a substância destes fatos para que muitas pessoas imprudentes, por seus comentários periódicos e espontâneos, salvassem o importante depósito do esquecimento forçado, não ficando preso lá dentro, junto ao incomensurável tesouro, a sua possibilidade de ser utilizado um dia por outro póstero e necessitado monarca. Um mês depois, retornando à Muffina, após a conclusão de sua turnê, Borrela O Grande, em uma noite límpida, morreu carregado de anos e glória - e de repente uma nova estrela brilhou no firmamento. Rápido em reconhecer ali este incidente sobrenatural recentemente previsto, de forma enigmática por Borrela, O Grande, para a hora de sua morte, o povo, com ardor e misticismo cigano, saudou na estrela imprevista a própria alma do falecido, pronto para velar eternamente pelos destinos do reino. Suspeitando desde então que este fato de morrer e se transformar em uma nova estrela no firmamento pudesse ser o grande acontecimento relativo ao Rei mago, cuja alusão fosse a chave para a fórmula mágica e adequada para entregar os imensos bens de Sincorat, o novo soberano e ambicioso filho de Borrela, O Grande, Calisto Kabral, bisavô de Cajetan, pronunciou diante do portão enfeitiçado muitos textos lacônicos relatando de mil maneiras diferentes a transformação do falecido rei em uma estrela do Paraíso. Mas não conseguiu dizer direito, pois as portas permaneceram fechadas. E foi sempre em vão que, posteriormente, tentativas semelhantes foram feitas novamente. No entanto, este encantamento capaz de abrir a montanha de ouro, Cajetan, durante seu sonho, tinha recebido dos próprios lábios defuntos de Borrela, O Grande, autorizando a utilizá-la pela tempestade política ameaçadora que pairava sobre o reino. No limiar de Sincorat, ele o emitiu nestes termos, que os antecessores, ao longo dos séculos, apenas se aproximaram da pronúncia correta: “Borrela, O Grande MORRÉU, sua estrela chapisca no CÉU. O portão escancarou-se - depois fechou-se novamente, atravessado pelo visitante, que entrou na caverna verde. Por ordem de Borrela, O Grande, cujo motivo ele entendeu, Cajetan veio esconder todo o buxixo, o ouro mágico de sua coroa, lá. Onde podemos encontrar um retiro mais seguro do que este covil, por tanto tempo inviolado, apesar de mil esforços? Então, mesmo que um intrigante tivesse por força de provações desenterrado as palavras exatas, a presença na caverna de inúmeras pepitas, das quais o ouro da coroa transformado por seu molde não era de forma alguma distinguível, constituía uma garantia contra a temida usurpação. Afinal, só mesmo - tendo em vista o fetichismo popular - uma testa circundada pela coroa ancestral reconstituída - sem qualquer mistura - com seu ouro primitivo e divino poderia se tornar Rei ou Rainha. E que meios haveria de se identificar o venerável lingote entre tantos outros espécimes como ele? Extraindo sem muita dificuldade uma longa metade do seixo preso na superfície de um bloco isolado de mármore verde, Cajetan obteve uma cavidade perfeita onde o precioso objeto pesado coube como se encrustado estivesse, oferecendo assim a mesma aparência das múltiplas amostras de ouro por toda parte da caverna. Mas o anonimato muito estrito do lingote teria privado a própria Princesa Piska de qualquer possibilidade de reinar, pois que ela,  um dia, antes de lhe dar a forma de uma coroa real para a testa, seria obrigada a prová-lo ao povo, por meio de uma marca irrefutável, a proveniência quase divina. Com a ponta de sua adaga, Cajetan, ainda sob a orientação de Borrela, começou a assinar na plataforma do bloco verde, arranhando apenas finamente o mármore. Desde o início, os reis de Abraxas firmavam, em atos importantes, em vez de seus nomes, a palavra Ego, que reforçava seu prestígio ao fazer de cada um, durante seu reinado, o eu supremo, tanto a fonte quanto o resultado de tudo. A escrita e a data resgatava essa uniformidade silábica ao designar o soberano em questão, nos brasões, moedas e outros objetos heráldicos. Não hesitando, em tais casos, em escolher seu rótulo predominante, Cajetan gravou seu Ego usual - então datado, não sem cobrir imediatamente toda a inscrição com uma fina camada de areia. Por esta última precaução, o rei, que, aliás, ao entrar, teve que agir propositadamente, escolhendo a região mais obscura da caverna, tornara quase impossível a qualquer pesquisador desinformado que, por sorte inédita conseguisse pronunciar o real “sésamo” e entrar, viesse a identificar o sinal gravado. Cajetan, com as oito palavras poderosas, reabriu para sair, o portão, fechando-o rapidamente atrás dele. Retornando de sua expedição, ele declarou publicamente, mas sem dar muitos detalhes, que o Buxixo, o ouro da coroa mágica agora derretido, descansava por iniciativa dele no monte Sincorat, do qual Borrela, O Grande, em um sonho, havia lhe dado a senha mágica. Era importante que o povo, para manter a fé no futuro, soubesse que, enterrado em lugar seguro, o ouro sagrado - cuja suposta perda o teria reduzido a um anarquista descoroado e inimigo público, não fosse o nobre propósito de proteger o reino de usurpadores - estava pronto para dar sua sanção aos futuros soberanos... Já sentindo o abraço da morte, Cajetan completou apressadamente a execução das ordens de Borrela, O Grande, que, com muitas recomendações adicionais, ordenou que ele tomasse sem medo, para cumprir o cargo indispensável de confidente universal, um certo Checleta, bobo da corte. Caolho e hediondo, Checleta, para exagerar o grotesco de sua pessoa, objeto de riso geral, sempre se vestia de rosa como o mais coquete do pássaro e, cheio de humor na resposta, escondia sob seu envelope cômico uma reta alma. Era um homem bom, sinceramente devotado ao rei. A princípio surpreso com tal escolha, Cajetan, refletindo, admirou a sabedoria de Borrela, O Grande. Agente mais seguro do que qualquer um, Checleta, pois que ser vil e desprezado, indigno a todos os olhos de ter sido eleito depositário de um grande segredo, também estaria imune a qualquer insistência ou ameaça que tendesse a fazê-lo falar. O rei, sem restrições, revelou ao bufão a fórmula introdutória, o local do famoso lingote e a existência da assinatura probatória. Quando chegasse o momento certo para agir, a princesa Piska, avisada como uma garota de uma raça soberana e divina por um daqueles signos celestiais do além, recusados ​​a humanos comuns como Checleta, viria por conta própria para encontrar o homem caolho e reivindicar dele seus segredos. Só naquele dia do aviso sobrenatural, para que um sinal involuntário de interesse ou favor não despertasse prematuramente as suspeitas dos que rodeavam a Princesa Piska, o estranho confidente lhe seria designado - por um meio que desconhecia o próprio Checleta, atualmente condenado a uma longa espera passiva. Dispensando o bobo da corte, Cajetan tirou um boneco vestido de rosa de um estoque de brinquedos destinados à filha, do qual arrancou um olho. A rainha Banúria, durante a gravidez de Piska, havia bordado, sem ajuda de nenhuma serva, uma luxuosa almofada azul, com o propósito de nela se apoiar na cabeceira de sua cama, até o dia do nascimento da filha que ela esperava. Cajetan sempre havia tentado incutir em Piska o respeito por esta relíquia, que a pobre mãe, surpreendida com a morte no parto, não foi capaz de usar. Abrindo uma parte da costura, ele deslizou o boneco nas profundezas das penas de ganso dourado; então ordenou que um costureiro cerzisse o local aberto, que ele disse ter sido causado por um acidente. O rei, sem testemunhas, informou Piska – ordenando segredo absoluto da conversa -, que um presente a aguardava trancado na almofada azul, cujos lados ela só deveria explorar por ordem vinda diretamente do céu. Até o fim da trama, Cajetan havia apenas seguido as prescrições de Borrela, O Grande, em tudo, cuja penetração clarividente ele próprio elogiava. Destinado de fato a receber o aviso celestial armada apenas pela inocente idade contra seus usurpadores, Piska, ao revistar a almofada, que dada sua origem augusta não corria o risco de se perder, seria forçada a procurar algum símbolo na oferta incomum feita a um adulto de um brinquedo simples e ingênuo. A longo prazo, o casaco rosa e o olho ausente da marionete inevitavelmente evocariam em seus pensamentos de trabalho o bobo da corte Checleta, a quem ela questionaria. Além disso, se, odiosamente pressionada, os príncipes colaterais arrancassem de Piska, ainda uma criança e fraca, o segredo da almofada azul, - sem razão para insistir, dada a aparente falta de nexo, até que a tão essencial admissão do sinal celestial viesse a dar a chancela de um significado profundo ao signo deliberadamente hermético, - o surgimento do achado decepcionante, desprovido do precioso documento que se esperava, de um bizarro boneco divertido e tão bem adaptado à idade da destinatária, pareceria trair apenas o terno capricho de um pai ansioso para dobrar o interesse de seu presente pelo imprevisto de um esconderijo engenhoso. O objeto, de nenhuma consequência palpável, obviamente seria entregue a Piska, que, então, limitando-se a usá-lo para seus jogos, de repente diria a si mesmo mais tarde, no dia da manifestação celestial, que a hora tinha acabado de soar em que ela deveria ter aberto a almofada. Imediatamente, vendo a infantilidade do presente sob o prisma da sua juventude desabrochando, ela cairia em reflexões fecundas e, lembrando-se das duas características salientes do brinquedo, faria a inflexão desejada, levando-a prontamente a Checleta. Logo Cajetan morreu. Seus irmãos, aproveitando a minoridade de Piska para formar partidos, desencadearam uma guerra civil, cada um lutando pelo poder. Mas por falta do Buxixo sagrado capaz de reconstituir a coroa de ouro mágico, nenhum deles conseguiu ser admitido como rei. Palavras novas em vão foram tentadas para abrir o portão inflexível do Monte Sincorat, especialmente fascinante agora como a cabine do lingote monárquico. Assaltada por perguntas de seus tios como provável repositório de alguma revelação paterna que deveria levar ao objetivo, Piska soube guardar todo o seu segredo. A anarquia, portanto, minou o reino, já que mesmo a princesa, antes de possuir a coroa de ouro, não poderia ser rainha. Sempre vestido de rosa, Checleta, dotado de uma pensão vitalícia legada por Cajetan, fazia as pessoas rirem durante as caminhadas, respondendo com delicadeza às suas zombarias, ex-frequentadores da Corte acostumados com sua presença pitoresca. O tempo passou e Piska, aos dezoito anos, começou a pensar sem parar no sina celestial previsto por seu pai, na esperança de que então lhe fosse oferecido um meio para salvar o país, definitivamente arruinado por um lapso ininterrupto de tempo sem governo e lutas internas. Uma noite de julho, quando a jovem princesa voltou sozinha, com os braços carregados de flores, a um castelo ancestral onde sempre veraneava, muitos reflexos vermelhos suntuosos, nascidos do sol quase desaparecido, incendiaram longas nuvens no horizonte. Parando para admirar o país das fadas do crepúsculo, Piska viu alguns flocos de nuvens estreitos curvando-se estranhamente na ação da brisa até formarem em letras vagas esta lacônica frase: É HORA! A coisa toda logo se desfez no ar. Mas Piska, com o coração aos pulos, reconheceu o aviso anunciado por sua natureza celestial. Do além-túmulo, seu pai Cajetan cumpria sua promessa, assim como seu antepassado Borrela, O Grande havia cumprido a sua, visitando seu pai em um sonho e lhe revelando a senha do Monte Sincorat! Agora ela tinha que agir. Voltando ao castelo, abriu a almofada azul, à qual jamais negara sua mais devota solicitude, justificada demais pelo toque santificador de mãos maternas para parecer suspeita. Decepcionada por encontrar inicialmente apenas o boneco ali, ela meditou longamente, instigada a penetrar na pesquisa pela discrepância estabelecida entre o brinquedo e sua idade. De repente, no tom do vestido e no vazio da órbita, a jovem adivinhou, no boneca enigmático, uma evocação de Checleta. Ela chamou o bobo da corte ao castelo e o instruiu em tudo. Por sua vez, Checleta transmitiu-lhe os segredos confiados à sua honra, implorando-lhe que chegasse imediatamente ao Monte Sincorat para seguir com dócil ansiedade a ordem das nuvens, - uma ordem imperiosa enviada sabiamente num momento muito auspicioso, onde nenhum dos possíveis usurpadores, todos os quais haviam acabado de enfraquecer uns aos outros por lutas excessivas, poderiam ter efetivamente impedido a marcha da rainha legítima quando, segurando o lingote do fetiche, ela despertaria entusiasmo universal em seus passos. Instalado em uma grande liteira, Piska saiu imediatamente, escoltada pelo bobo da corte, que, expondo propositalmente o real propósito da viagem por todos os lados, incitou o acréscimo à procissão de muitos fanáticos, impacientes por ver o memorável acontecimento convocado para fazer cessar a era de anarquia e ruína. A jovem princesa, portanto, chegou ao Monte Sincorat em meio a uma enorme multidão, o que encantou Checleta, ansioso por testemunhas de sua cena de prestígio e eleição. Abrindo o portão com a sentença eficaz dita secretamente em voz baixa, o bobo da corte entrou na caverna em direção ao lugar indicado, enquanto uma porção da multidão o seguia a seu pedido para ver em cada um de seus gestos uma perfeita ausência de parcialidade desonesta. Apontado por Checleta e depois levantado com muitos braços, o bloco marmóreo de Cajetan foi transportado para fora, e o portão, ainda escancarado, não fechou, dada a visita extremamente curta, até depois da saída do último invasor. O bobo, retirando a camada de areia que o escondia, mostrou a todos, na face superior do bloco, a assinatura do falecido rei, junto ao lingote dinástico, assim autenticado. A Princesa Piska foi até Muffina, capita do Reino de Abraxas, conduzindo o bloco verde, colocado intacto ao lado dela no canto de sua caixa de areia. Em meio a ovações febris desencadeadas pelo sucesso da expedição, sua procissão popular crescia a cada etapa. Em vão os pretendentes, para detê-lo no caminho, arengaram com seus soldados, que, sabendo da esplendorosa recuperação, vieram todos, fascinados pela glória mágica do lingote, alinhar-se sob a bandeira da feliz Princesa. Levada em triunfo para seu palácio, Piska, com o ouro recuperado, mandou recriar a coroa mágica, que ela, com pompa e circunstância na sacada do palácio real, cingiu-se aos gritos delirantes de "Viva a rainha!" À noite, sob o límpido e fulgurante céu do sertão baiano, todos viram a estrela de Borrela, O Grande, brilhar ainda mais do que o normal. A Rainha então quis distribuir ao seu povo os milhões da caverna, cuja exploração se organizou rapidamente. Divulgada, a fórmula da grade favorecia a entrada ou saída de trabalhadores armados de picaretas e, em breve, com a massa de ouro extraída das profundezas internas do mármore verde, o reino prosperou. Finalmente sorrindo e amada por seu povo, Piska encheu Checleta de bênçãos. Num ímpeto de jubilosa exaltação, foi executada uma estátua que, representando a jovem rainha coroada na testa, foi colocada como a de uma santa no fundo de certo nicho amplo, em um terreno onde, séculos depois, foi erguido um museu, em Vitória da Conquista-Ba, e desenterrada pelo arqueólogo e espeleólogo Cassiano Ribeiro Santos, lá permanecendo até hoje para a visitação dos incrédulos!


Ass: Raimundo Russão!



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