Morava em uma pensão de uma
italiana, no bairro Paraíso, perto da Avenida Paulista. Minha namorada possuía
uma cantina italiana ali perto, ao lado do Centro Cultural Senador Vergueiro
onde eu passava as tardes em sua biblioteca pública. No pátio desse Centro
Cultural, acompanhava uma equipe de cinema rodando um filme com o falecido ator
Raul Cortez. Em seguida ia para a Cantina ajudar minha garota a atender os
clientes. Uma noite ela se atrasou e eu tive que assumir o atendimento. Justo
nesse dia me apareceu por lá o Raul Cortez e parte da equipe do filme. Um
garçom os atendeu e anotou seus pedidos. Para beber, o Raul Cortez foi tomado
por um capricho e insistia em tomar uma taça de vinho Rosé. De trás do balcão
eu ouvia ele se queixar que aquele fetuccini só combinava com esse tipo de
vinho. Exigia a bebida com chiliques de um pop star! Eu tive medo de perder o
cliente e resolvi improvisar, pois não tínhamos rosé em nossa pequena adega.
Fui na cozinha, abri duas garrafas de vinho: um tinto e um vinho branco.
Misturei os dois na mesmíssima proporção até ficar parecido com suco de pétalas
de rosa. Pedi ao garçom para lhe servir. Raul sorveu metade da taça de um único
gole, estalou a língua e elogiou com superlativos o suco do meu trambique.
Perguntou ao garçom o nome do vinho. Eu me lembrei de um famoso aperitivo
italiano de alcachofras chamado Cynar, e respondi lá do balcão!
_ CYNARETTI, CARO RAUL! C Y N A R E T T I!
Ele cheirou a taça, procurou no fundo da memória uma lembrança qualquer e comentou!
_ MA CLARO! CYNARETTI! ...
E voltando-se para as pessoas na mesa, exclamou algo parecido com:
_ ... È passato molto tempo che i'ho bevuto Cynaretti!
E estalava a língua entre garfadas de Fetuccini que minha namorada dizia ter a receita secreta herdada de uma avó italiana! Eu também tenho minha receita de vinho Rosé, CYNARETTI, que só hoje confesso. Raul Cortez bebeu mais duas taças. os outros preferiram coca-cola. Na outra semana, ele voltou a aparecer por lá pedindo uma taça de Cynaretti. Eu não estava nessa noite. A Monique ligou para a pensão desesperada perguntando-me pela bebida! Nem me lembro agora que explicação eu lhe dei. A mentira tem pernas curtas e memória menor ainda!
_ CYNARETTI, CARO RAUL! C Y N A R E T T I!
Ele cheirou a taça, procurou no fundo da memória uma lembrança qualquer e comentou!
_ MA CLARO! CYNARETTI! ...
E voltando-se para as pessoas na mesa, exclamou algo parecido com:
_ ... È passato molto tempo che i'ho bevuto Cynaretti!
E estalava a língua entre garfadas de Fetuccini que minha namorada dizia ter a receita secreta herdada de uma avó italiana! Eu também tenho minha receita de vinho Rosé, CYNARETTI, que só hoje confesso. Raul Cortez bebeu mais duas taças. os outros preferiram coca-cola. Na outra semana, ele voltou a aparecer por lá pedindo uma taça de Cynaretti. Eu não estava nessa noite. A Monique ligou para a pensão desesperada perguntando-me pela bebida! Nem me lembro agora que explicação eu lhe dei. A mentira tem pernas curtas e memória menor ainda!
Nesse curto período em que
namorei uma dona de cantina italiana, vivi outros insólitos episódios dignos de
registro. Havia entre os cinco funcionários, um sujeito que não citarei o nome
verdadeiro, vindo de Londrina, no Paraná, e que cuidava do abastecimento. Esse
rapaz, quase um albino, estava com um péssimo costume de, toda noite ao voltar
para casa, por um tablete de manteiga debaixo de um boné de aba dura e bem
alto, escrito MICHIGAN, lembro-me muito bem desse detalhe. Uma noite, decidido
a por um fim nesse costume doentio, chamei Isidro, usarei esse nome doravante,
até os fundos da cantina e lhe pedi supostamente um último favor antes de ir
embora, não sem antes me certificar que ele já havia colocado seu tablete de
200 grs de manteiga entre os tufos do seu loiro e ondulado cabelo. Na época,
possuíamos um forno elétrico, a sensação do momento, e eu estava precisando
testar um suposto defeito no equipamento. Pedi que ele segurasse com uma chave
inglesa um determinado rebite nas fiações, mantendo-o sempre apertado, enquanto
eu mexia em coisas de nomes estrambóticos e ligava várias chaves, a procura do
defeito. Era preciso que o fogão ficasse ligado no máximo enquanto eu procurava
pelo problema. Ainda lhe avisei para que, em hipótese nenhuma, ele retirasse a
chave do rebite, pois tudo poderia ir pelos ares. Dado essas explicações,
comecei a simular minha performance enquanto observava o calor aumentar
consideravelmente dentro da cozinha e ferver ao lado do forno! Não demorou
muito para que o tablete de manteiga, enrolado em papel, começasse a se
derreter com o calor e a escorrer pelo rosto afogueado do pobre rapaz. Primeiro
encharcou a testa, depois pingava pela sobranceira sobre as maçãs proeminentes
do rosto e empapava o bigode obsceno que ele ostentava. Com ameaças repetidas
de o forno explodir se ele abandonasse a pressão no rebite, eu o mantive ali
até que o pacote inteiro se esvaiu pelas laterais da sua fronte, untasse suas
orelhas e banhasse todo o seu pescoço como um pequeno leitão à pururuca pronto
para ir ao prato! Chegou um momento que ele não pode mais esconder o crime.
Desliguei o forno, apanhei uma toalha de rosto e lhe estendi, dizendo:
_ Limpe isso! Pode ir embora agora! Amanhã conversaremos!
Lembro-me de ter ficado também um pouco constrangido com a cena, tomado pela
famosa “vergonha alheia”. No outro dia ele não apareceu. Acho que teve medo que
abatêssemos de suas contas a receber a quantidade exorbitante de manteiga
desviada, e que tivesse de nos ressarcir, ao invés de receber!
* Como o tema de origem foi um vinho rosé "fake", achei pertinente acrescentar um apêndice sobre outras notas "fakes" nos vinhos da literatura:
...Há uma passagem em Dom Quixote de La Mancha onde dois fidalgos estão apreciando um odre de vinho em uma taberna e, nos primeiros goles, começam a discordar sobre s notas gustativas do licor mágico. Um diz que há um marcante travo de couro, outro diz que predomina o sabor de ferrugem. Couro! Ferrugem! Ferrugem! Couro... A discussão não tem fim, chegam mesmo a apostar, até o momento em que o odre de vinho acaba e, lá no fundo, encontra-se, inadvertidamente esquecida, uma penca de chaves enferrujadas presas por uma quase digerida tira de couro curtido!
* Como o tema de origem foi um vinho rosé "fake", achei pertinente acrescentar um apêndice sobre outras notas "fakes" nos vinhos da literatura:
...Há uma passagem em Dom Quixote de La Mancha onde dois fidalgos estão apreciando um odre de vinho em uma taberna e, nos primeiros goles, começam a discordar sobre s notas gustativas do licor mágico. Um diz que há um marcante travo de couro, outro diz que predomina o sabor de ferrugem. Couro! Ferrugem! Ferrugem! Couro... A discussão não tem fim, chegam mesmo a apostar, até o momento em que o odre de vinho acaba e, lá no fundo, encontra-se, inadvertidamente esquecida, uma penca de chaves enferrujadas presas por uma quase digerida tira de couro curtido!
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