Quando não me perguntam o que é o tempo, eu sei; quando me perguntam, não sei!
₢ Santo Agostinho, Confissões, Livro X, do Tempo. 
A primeira e mais "palpável" sensação do tempo transcorrido que 
possuímos é o da nossa vida íntima, nosso ser interior que, sempre que 
nos desapegamos do mundo externo e para nosso eu nos voltamos, sentimos o
 tempo passar, o rio escorrer como o fio do colar perpassando as pérolas
 de cada distinto momento em que vivemos (metáforas emprestadas ao Henri
 Bergson que escreveu páginas memoráveis sobre a intuição do tempo). A 
música ilustra muito bem esse escoar vívido e colorido de algo que, 
mesmo imaterial e invisível, possui liga e visgo, ritmo e sentido: o 
tempo! Afora essa intuição interior, também possuímos uma sensação do 
tempo transcorrendo no reconhecimento que fazemos das efemérides, das 
marcas cronológicas e vestígios abstratos por ele deixados: sentimos 
cada momento pertencer a tal ou tal hora, manhã ou tarde, mais também 
temos um dom para distinguir os dias da semana, um quê especial na paz 
de um sábado ou no tédio de um domingo; indo mais além, sentimos as 
estações mudarem, tanto pela variação climática, como por uma série de 
sinais discretos e singulares que os poetas tão bem souberam registrar: a
 melancolia do outono, a nostalgia junina, os loucos amores de uma 
mágica noite de verão... Essa maneira de sentir o tempo passar, ainda 
que explicada pelos dados meteorológicos e pelos ritmos circadianos de 
nossas glândulas cerebrais, também é a confirmação de um tempo externo à
 nós, de uma vivacidade íntima aos nossos calendários, de uma "música" 
no mundo onde a dança dos corpos ganham cadência e harmonia. Ambas 
intuições, na medida em que pressupõe corpos materiais misturados ao 
tempo, a saber, o meu corpo no caso do tempo interior e os corpos da 
natureza no caso do tempo meteorológico, são passíveis do reducionismo 
científico que reduz o tempo ao "número do movimento - destes corpos - 
em relação ao anterior e ao posterior" (definição sagaz do mestre 
Aristóteles). A própria física moderna não consegue libertar o tempo de 
sua intrínseca relação com o espaço, sendo anátema qualquer tipo de 
tempo absoluto fora dos eixos de espaço-tempo que a imperiosa Teoria da 
Relatividade pressupõe. O objetivo desse apontamento, conforme 
desenhamos no começo, é justamente a postulação de um tempo puro, 
ontológico, independente do espaço e dos corpos. Esse tempo, se houver, 
deve ser procurado no limiar, na fronteira entre o nosso eu e o mundo 
exterior, nos interstícios e hiâncias destas duas condições, além do meu
 eu interior, aquém do mundo externo. Uma condição de possibilidade para
 toda intuição do tempo, interior ou exterior a nós. Quando Emmanuel 
Kant elegeu o tempo como condição de possibilidade para toda e qualquer 
experiência possível, ele o fez a partir do seguinte arrazoado: O Espaço
 é a forma que organiza toda a sensibilidade que possuímos do mundo 
externo, não podemos experimentar nada fora de nós que não esteja a 
priori localizada e organizada no espaço; o tempo, por sua vez, é a 
forma a priori de nossa sensação íntima, pois só nos intuímos como 
existindo no interior de um fluxo temporal, de uma sucessão contínua e 
irreversível de momentos escoando. Tanto a sucessão dos nossos estados 
íntimos como a simultaneidade dos corpos no espaço só podem ser 
afirmadas a partir dessa forma a priori da nossa sensibilidade, o tempo!
 Aqui é a clivagem, a torção onde o tempo assume ser a forma dominante 
de nossas sensações, pois, além de organizar nossos estados íntimos no 
seio de uma ordem cronológica, também organiza a percepção do espaço 
externo, visto que, o movimento dos corpos ao nosso redor só possuem 
ordem por causa de ser as nossas percepções espaciais também organizadas
 no fluxo do eu que as possui, por exemplo, o sol é percebido pela forma
 a priori da minha sensibilidade que me dá, do mundo externo, uma 
radiografia sempre e necessariamente simultânea, imediata; na medida em 
que percebo o sol se deslocando e o dia transcorrendo, tal percepção do 
mundo externo só é possível pelo tempo que organiza minha duração íntima
 e, por tabela, a duração do mundo externo. Comete-se um grave erro na 
filosofia quando atribuem a essa forma a priori da sensibilidade, o 
tempo, um estatuto lógico apenas, como se o tempo e o espaço fossem 
apenas um estofo subterrâneo das categorias do entendimento. Como forma 
lógica apenas, como uma condição de possibilidade abstrata, o tempo não 
poderia transcender seu foro íntimo e abraçar a outra forma a priori do 
espaço, organizando os movimento do mundo externo. Seria um paradoxo do 
tipo o paradoxo das classes de Bertrand Russel ou o Teorema de Godel 
onde uma classe não pode ser tomada como elemento do conjunto que ela 
representa, onde o continente não pode ser auto incluso no conteúdo, 
traduzindo, se meu corpo se move no espaço, a forma que organiza as 
percepções desse espaço dando sentido ao movimento não pode ela mesma se
 mover (pena que Bergson e Deleuze tenham fracassado em separar Tempo de
 Espaço, teriam me ajudado e muito nessa hora). Resumindo para abreviar,
 não sendo psicológico nem lógico, quartus non datur, o tempo só pode 
ser alguma coisa, um extra-ser, um aliquid. Prometo voltar a esse tema 
em consideração aos raros e valentes leitores que me acompanharam até 
aqui! Vou na física quântica pescar!
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
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