domingo, 12 de abril de 2015

TATU CAMINHA DENTRO?


TATU CAMINHA DENTRO?

O singelo Jupi, zelador do antigo e pitoresco cemitério de Itambé, interior da Bahia, vivia eternamente às voltas com os tatus-pebas. Quando Jupi passou a ocupar o atual cargo, após o desaparecimento inexplicável do outro zelador, decidira dar-lhes caça. A principio, deitara-lhes armadilhas, envenenara comida, que largava pelos buracos, e, mais tarde, experimentara matá-los com uma espingarda, mas nada conseguiu.

Os tatus continuavam, multiplicavam-se, infestando o cemitério, com suas ninhadas inextinguíveis. Eram enormes, mesmo para o "Priodontes maximus", que as vezes chega a medir um metro, excluindo-se o rabo cor de ovo. Jupi entrevira alguns tão grandes quanto um leitão e, quando, certa vez, os coveiros remexeram em suas tocas, os mal olorosos túneis eram tão largos, que permitiriam a passagem de um homem agachado. Jupi freqüentemente se admirava do tamanho desses túneis, mas se esforçava para ocultar a existência dos mamíferos aos intrusos. Investigações, pensava ele, não sem razão, significariam a abertura de inúmeros túmulos. E, conquanto alguns caixões corroídos, esvaziados mesmo, pudessem ser atribuídos à ação das ninhadas, Jupi achava difícil explicar os corpos atirados, que jaziam em algumas das tumbas.
O ouro, o mais puro, é usado na obturação de dentes, e esse ouro não é removido por ocasião do sepultamento. Roupas, está claro, são outro assunto, pois o agente funerário se encarrega de que seu cliente vista as mais baratas possíveis. Mas o ouro não. Por isso, Jupi, até agora, conseguira impedir as investigações. Negava firmemente a existência dos tatus-pebas, embora estes lhe roubassem freqüentemente a presa. Jupi pouco se incomodava com o que acontecesse aos corpos, depois que neles tivesse exercido sua operação, e os tatus, inexoravelmente, arrastava o cadáver, através do buraco que roíam na parede do caixão. O tamanho desses buracos, às vezes, preocupava Jupi. Acrescia, ainda, a estranha circunstância dos sarcófagos serem sempre abertos na parte correspondente às extremidades, nunca no cimo ou nos lados. Poder-se-ia crer que trabalhavam sob as ordens de algum líder impassível e extraordinariamente inteligente.
Neste momento, Jupi achava-se de pé, em uma cova descoberta, atirando para o lado os últimos montes de terra. Chovia, uma garoa miúda e fria, que, por semanas a fio, castigava a terra. O cemitério parecia um lamaçal amarelo, de que se destacavam as tumbas, como monstros desordenados. Os tatus haviam-se retirado para suas tocas e fazia dias que Jupi não punha os olhos em um só sequer. Seu rosto barbudo e de expressão dura estava totalmente enrugado. O caixão que pisava era de madeira. O corpo tinha sido sepultado dias antes, mas Jupi ainda não ousara desenterrá-lo. Um parente do morto viera ao cemitério por diversas vezes, lacrimejar sobre a lápide de gesso. Confiava, porém, agora, em que este não apareceria a horas tão tardias, por maior que fosse a sua dor, pensava Jupi, a fazer caretas das mais horríveis. Descansou por instantes.
Da colina, em que estava situado o velho cemitério, divisava as luzes de Itambé, tremeluzindo, através da neblina. Tirou uma lanterna do bolso. Precisaria de luz, agora. Empunhou a pá, inclinou-se e examinou a fechadura do caixão. Parou abruptamente. Sua atenção foi despertada por um leve mexer, sob seus pés, como se algo se movesse dentro do caixão. Um medo supersticioso tomou conta dele, detendo-lhe a respiração, até que percebeu o significado daqueles ruídos. Os tatus tinham-no precedido, despojando-o de sua presa.
Num paroxismo de ódio, Jupi arrebentou as ligaduras do caixão, enfiando a ponta da pá entre a tampa e o esquife. Iluminou-o com a lanterna. A chuva caiu de encontro ao cetim branco, do forro. O caixão estava vazio. Jupi percebeu movimento na extremidade do sarcófago e dirigiu a lanterna para ela. Um buraco enorme deixava entrever um sapato preto, que se arrastava vagarosamente, e o homem compreendeu que os tatus o haviam precedido de apenas alguns minutos. Caiu sobre os joelhos e tentou agarrar o sapato, deixando tombar a lanterna dentro do caixão. O sapato não foi alcançado e ele ouviu um guincho agudo, excitado. Tomou novamente a lanterna, iluminando o buraco. Era bem grande. Tinha que ser, ou o cadáver não poderia ter sido arrastado por ali. Jupi espantou-se ainda uma vez ante o tamanho dos tatus, que podiam agüentar com o cadáver de um homem, mas a certeza do revólver, que carregava no bolso, confortou-o. Provavelmente, se o cadáver fosse de uma pessoa comum, Jupi o deixaria entregue aos raptores e jamais se aventuraria naquela toca, mas estava bem lembrado de que o cadáver vestia uma camisa de linho finíssimo e que seu alfinete de gravata era de pérola. Sem quase refletir, pendurou a lanterna na cinta e engatinhou no buraco.
Era apertado, mas conseguiu passar. Bem à sua frente, podia ver os sapatos que andavam por sobre a terra úmida das profundezas do túnel. Engatinhou o mais rapidamente que pode, às vezes tendo que se arrastar de barriga, por falta de altura.
O ar era irrespirável. Se não alcançasse o corpo em um minuto, decidiu Jupi, voltaria. Terrores subconscientes começavam a fazer-lhe companhia, sem que pudesse evitar, mas o ódio impelia-o para a frente. Arrastou-se, atravessando túneis que se entroncavam. As paredes eram limosas e por duas vezes bolas de lama caíram sobre e atrás dele. Da segunda vez, parou. Não enxergava. Desatou a lanterna da cinta e iluminou a escuridão. Torres de terra amontoavam-se atrás dele e o perigo de sua posição, de repente, tornou-se real, pavoroso. Com medo de ficar sepultado vivo, resolveu abandonar a perseguição, embora quase alcançado o cadáver e o ser invisível que o arrastava. Mas, não pensara em uma coisa: O túnel era muito estreito, para permitir que ele se virasse. O pânico assaltou-o, mas lembrou-se de um túnel que atravessara havia instantes e, de costas, entrou nele girando aos poucos, até poder prosseguir de frente.
Rapidamente tentou encontrar o caminho de volta, conquanto seus joelhos estivessem machucados e trêmulos. Uma dor aguda paralisou-lhe a perna. Um dente afiado se enterrara em sua carne. Jupi se bateu freneticamente. Ouviu guinchos excitados e o mover de muitos pés. Iluminando com a lanterna, Jupi prendeu a respiração, num choque causado pelo susto, ao perceber uma dúzia de enormes tatus, que o contemplavam firmemente, seus olhos rasgados brilhando àquela luz. Eram enormes, tão grandes como porcos, e atrás deles entreviu uma sombra negra, que deslizou suavemente. Jupi estremeceu ante o descomunal daquela coisa invisível. A luz os detivera momentaneamente, mas agora se aproximavam, os dentes alaranjados devido à iluminação. Jupi conseguiu sacar a pistola do bolso e mirou cuidadosamente. Sua posição era péssima. Firmou os pés nas paredes limosas, para não desperdiçar o tiro. O ruído espantoso da explosão ensurdeceu-o por instantes e a fumaça provocou-lhe tosse. Quando pode ver e ouvir novamente, os tatus tinham desaparecido. Recolocou a pistola no lugar e quis prosseguir a caminhada de volta, mas, entre guinchos e roçar de carapaças, já estavam de novo em cima dele. Treparam em suas pernas, mordendo e guinchando loucamente. Jupi estremeceu, ao procurar o revólver. Atirou sem mirar e unicamente a sorte o livrou de arrancar o próprio pé. Desta vez, os tatus não foram longe, mas Jupi se arrastava o melhor que podia, pronto para atirar ao primeiro ruído suspeito. Novo ruído de pés e o homem iluminou, com a lanterna, atrás de si. Um enorme tatu de grossos pelos saindo da orelha parou e vigiou-o. Seu longo e fino focinho gotejava uma secreção gosmenta. Jupi gritou, e o tatu afastou-se. Prosseguiu, detendo-se ante um túnel negro, bem à altura de seu cotovelo, bloqueado por uma massa, que julgou, por instantes, ser terra, desmoronada do teto, para logo verificar, horrorizado, que se tratava de um corpo humano. Era uma múmia marrom, enrugada, e, por pior que aquilo lhe parecesse, a coisa se movia. Arrastava-se na sua direção e, à luz da lanterna, a cara horrenda mergulhou na sua. Era um esqueleto de muitos anos, a viver uma vida diabólica. Não tinha olhos, mas buracos, que inexplicavelmente brilhavam, através de sua cegueira. E aquilo gritava à medida que avançava para Jupi, a boca entreaberta e retorcida. Jupi enregelou de pavor e nojo. Antes que aquele horror o tocasse, Jupi enterrou-se no túnel ao lado. Ouviu um arranhar de garras atrás dele, olhando de esguelha, gritou, gritou, enquanto mais se enterrava no buraco estreito. Arrastou-se desajeitadamente, sentindo que pedrinhas agudíssimas lhe dilaceravam as mãos e os joelhos. A sujeira penetrara-lhe nos olhos, mas não ousava parar. Engatinhava, blasfemando, respirando com dificuldade e rezando histericamente.
Guinchando triunfalmente, os tatus-pebas chegaram-se a ele, a fome horrenda escrita nos olhos. Jupi quase sucumbiu ante as cerdas agudas que lhes serviam de dentes, mas conseguiu afastá-los. A passagem estreitava-se cada vez mais. No paroxismo do terror, Jupi deu pontapés, gritou. Achou-se engatinhando sob uma enorme pedra, incrustada no teto, que pesava cruelmente nas suas costas. Esta moveu-se um pouco, quando foi atingida por seu corpo. Uma idéia atravessou a mente quase enlouquecida do homem. Se pudesse arrancar a pedra e bloquear o túnel! A terra estava úmida, devido às chuvas e, de cócoras, Jupi começou a escavar em torno da pedra. A ninhada se aproximava cada vez mais e o esfregar quase metálico de suas placas soavam como um rito macabro. Via-lhes os minúsculos olhos róseos que brilhavam, a cada tremeluzir da lanterna. A pedra começava a ceder. Um tatu se aproximou - o monstro, provavelmente o líder, que já entrevira. Fedorento e leproso – o único animal que, além do homem, contrai lepra, talvez pelo hábito necrófilo – o tatu avançava, com o focinho alaranjado à mostra, rebocando aquela coisa morta e enganchada na carapaça, que guinchava à medida que se arrastava. Jupi esforçou-se, trabalhando desesperado, e sentiu que a pedra ia cair. Rápido, continuou a arrastar-se pelo túnel. Atrás, a pedra ruiu, e ouviu-se súbito guinchar de agonia. Torrões de pedra caíam sobre as pernas de Jupi, que custava a livrar-se deles. Todo o túnel ia desmoronando! Respirando com dificuldade, amedrontado, Jupi impeliu-se para a frente, percebendo que a terra úmida queria engoli-lo. O túnel estava estreitando-se de tal maneira que já não podia usar mais as mãos e pernas para se mover. Deitou-se de barriga no chão, coleando como uma enguia, mas de repente, quando experimentou erguer-se, descobriu que o teto se achava apenas a centímetros de suas costas. O pânico assaltou-o. Quando o horror cego lhe bloqueara o caminho, atirara-se desesperado para um túnel lateral, túnel que parecia não ter saída! Só agora entendia. Estava num caixão, um caixão vazio, cuja extremidade, como de costume, tinha sido roída pelos tatus. Experimentou voltar-se de costas, mas não pôde. Se ao menos pudesse levantar a tampa do caixão! Impossível. E, se pudesse escapar do sarcófago, como faria para remover os cinco pés de terra? Jupi arfava. O ar irrespirável, fétido, era de um calor infernal. Num paroxismo de terror, arranhou, raspou o cetim do forro, até que este se despedaçou. Com os pés, tentava cavar o monte de terra desmoronada, que lhe bloqueava a saída. Se ao menos pudesse mudar de posição, se pudesse encontrar um pouco de ar... ar...
Uma agonia amarela, morna, espalhou-se por seu rosto e turvou-lhe os olhos. Sua cabeça parecia intumescer, crescendo, aumentando sempre mais. E, de repente, ouviu o guinchar triunfal dos priodontes. Pôs-se a gritar feito louco, mas já não conseguia afastá-los. Por momentos, buscou histericamente um refúgio dentro de sua estreita e estranha prisão, e depois aquietou-se, tentando respirar. Seus cílios desceram sobre os olhos, a língua preta lançou-se fora da boca e ele mergulhou na escuridão da morte, enquanto os come-carniça, famintos, banqueteavam-se com suas orelhas.

Cassiano Ribeiro Santos
Vitória da Conquista, 2009-07-13



P.S. Para conhecer a versão dos tatu-pebas, pesquise no google "notas gastronômicas de um tatu-bola" entre aspas ou cassiano+ribeiro+santos assim grafado.


Notas: Por onde Jupi sifu
  1. Em 1988, atrás do muro do cemitério de Itambé-Ba, foi encontrado essa abertura com túneis de aproximadamente 25 mts. de extensão. Varias ossadas foram retiradas e os fragmentos enviados para o Nina Rodrigues à espera de exames de DNA que nunca foram realizadas. A família do singelo Jupi agradece a quem souber do paradeiro dos ossos para um cerimonioso e simbólico enterro.
  2. Visitado por levas de curiosos, o local, à beira da rodagem, virou atração turística e ergueu-se ali um boteco improvisado em folhas de flandres batizado de “O BURACO DE JUPI” onde podia-se encontrar lascas de osso como souvenir, degustar pele de porco frita e o famoso aguardente Tatuzinho. Também ali podia-se ouvir, em um velho LP de 78 rotações, o jingle: “Ai tatu! Tatuzinho! Abre a garrafa e me serve um pouquinho!”.
  3. Administrado por duas irmãs, Zana e Zenóbia, assim que a curiosidade passou e findou-se o fluxo de curiosos, o Buraco de Jupi entrou em decadência e as duas se entregaram à prostituição dentro das cavernas. Zana queimava o furico por quinhentos cruzeiros, Zenóbia, mais recatada, só pagava boquete (três por cem); um ano depois, voltando de férias da capital, passei por ali para gastar um troco; o local estava abandonado, touceiras de capim-gordura cresciam entre o flandres enferrujado. Zana e zenóbia, com o dinheiro amealhado, migraram para "Sumpaulo". Uma ratazana gorda (ou uma preá, não vi direito) correu das touceiras para dentro do famoso buraco feito a sombra secularizada de um mito pré-histórico, e eu chorei ao recordar o desafortunado Jupi.
APÊNDICE-
Notas Gastronômicas De Um Tatu-bola
(Cassiano Ribeiro Santos)
Trata de uma work in progress, um relato confessional de tatu-bola ou tatu-peba, cujos hábitos necrófilos o torna um especialista em sabores, e também um sábio, se aceitarmos uma das etimologias que associa a palavra saber à sabor. A pretensão é criticar os costumes do homem moderno ( O Tempora! O Mores!) de se enpanturrar de comida e cultuar a gastronomia como uma arte sublime! Segue as primeiras linhas:
     Nasci perto daqui, no antigo cemitério de Rio das Flores. Quando esta cidade foi inundada pelas águas de uma represa eu consegui sobreviver e segui os humanos até o novo cemitério onde vivo agora solitário e obeso como um exilado rei. Foi mesmo muita sorte. Alguém resolveu exumar os restos mortais de algum parente recém- falecido, o levando consigo para enterrá-lo na nova cidade. Eu estava dentro do caixão, mas eles não perceberam o furo na base ( quase sempre entro assim, por baixo, onde a madeira é menos reforçada ). Tenho a cabeça pequena e, talvez por isso, a memória curta, mas, devido ao susto deste episódio, trago gravado comigo as recordações deste que é simbolicamente meu primeiro jantar e chego a pensar que ele tenha determinado para sempre os pendores do meu paladar. Era uma fêmea raquítica e bastante idosa. Sua pele era abundante e se soltava com facilidade feito um crepe suzete, embora o sabor lembrasse mais à panqueca de ovos! Para não ser denunciado pelos movimentos bruscos, aninhei-me entre suas pernas onde os ossos, envoltos por uma nuáge de carne, jaziam sobre uma acolchoada camada dupla de acinzentada pelanca. Não foi preciso completar o trajeto e eu já tinha devorado a pele inteira, encontrando-me então as voltas com um incômodo tufo de pelos grisalhos incrustados em meus dentes afiados. As manchas de uma pele senil possuem um acre sabor apimentado se você conseguir espremê-las e foi por remoer assim as tiras de pele que deixei os pelos se prenderem aos meus dentes. Serei mais cuidadoso da próxima vez, pensei e, mesmo com a boca cheia de cabelos, devorei o que restou daquele par de pernas secas, deixando o resto para depois do novo enterro.  Muitos julgam monótono o nosso cardápio sem se darem conta de que o homem é aquilo que ele come. Essa definição, se tomada ao pé-da-letra, expressa a assimilação, nos tecidos humanos, dos alimentos ingeridos que, mesmo reduzidos a suas partes elementares, guardam químicas reminiscências dos seus atributos originais. Quem depura bem o paladar sabe que há carne no pão e leite no mel, que uma omniosa transubstanciação é o segredo alquímico da natureza! Percebi isso quando devorei o abade Dom Marcos Teixeira. Demorei quase cinco semanas até vencer as filigranas envernizadas do seu palácio mortuário. Movia-me embriagado pelo cheiro agridoce de suas carnes que invadiam minhas narinas como a porta de um forno aberta por um menino travesso. As secreções do seu corpo, seus nacarados humores e sua gordurosa linfa há muito escorrera e impregnava a madeira do caixão como uma lambuzada embalagem que lambemos antes de devorar o chocolate ( aliás, em épocas de vacas magras, quando parecia que ninguém mais morreria naquela salutar comunidade, passei mais de uma noite no velho monturo de caixões podres, atrás do ossuário, a roer faminto as lascas de um velho caixão em busca de um naco de gordura, um sebo ressequido, um prego incrustado de sangue e salmoura; de outra feita, enterraram uma jovemzinha aleijada com suas muletas ao seu lado, as quais, feito essas relíquias de santos, absorvera todo o néctar da rapariga em flor...) mas devo deixar tais digressões para um capítulo á parte sobre as madeiras da minha vida! Voltemos ao abade Dom Marcos e a hermenêutica dos alimentos assimilados nos tecidos cadavéricos. O abade morrera de boca aberta ? ou então seu maxilar caíra ao apodrecer algum músculo facial? e exibia um sorriso de intumescidas e suculentas gengivas: uma de minhas partes preferidas. Devorei extático o licoroso pudim, sugando com avidez as longas e cariadas raízes dos seus dentes quando, ao liberar um displicente arroto, senti, nas fímbrias daquela iguaria, um bouquêt de Veuve Cricquôt, o inconfundível champanhe seco e dourado que Napoleão imortalizou! Maroto! Seu corpo todo escondia esse travo que nunca imaginei encontrar no monástico cardápio da Igreja católica!
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2 comentários :

CASSIO disse...

Nada de "esoterismos" e com extrema leveza, seu texto, meu "bródim", é rico em humor sincero, desses que não se acha fácil. Pérolas do sudoeste baiano, devidamente lapidadas e exportadas. Abraços!

Blog do Cassi disse...

Só vi agora! Seu tio Gazo já comeu esse tatu!