Quando, no século XVII, o militar inglês Oliver Cromwell decapitou o rei Carlos I, e instituiu o parlamentarismo, encontrou no governo que agora liderava uma orgulhosa e assustada aristocracia na Câmara dos Lordes, além de uma presunçosa burguesia na Câmara dos Comuns. Ambas as casas nutriam por ele um profundo desprezo e circunspecção devido à sua origem militar. "Cheirava a cavalo", diziam as damas nos corredores ensolarados da estival Inglaterra, antes da corrente do Golfo modificar o clima e transformar a ilha nesta charneca que é hoje. Torciam o nariz para ele e obedeciam com a mais lacônica formalidade as suas ordens e sugestões. Um dia, sozinho no seu gabinete, onde ninguém viria lhe bajular, sem que para isso fosse solicitado, deparou-se com um pinico de ouro, junto a outros objetos do rei decapitado. Teve então uma curiosa ideia: convocou no outro dia o melhor ourives do reino e, em segredo, pediu-lhe que derretesse o pinico de ouro maciço, confeccionando com o material uma estátua do lendário e ancestral rei Alfredo, O Grande. Tão logo ficou pronta a obra, mandou que fosse ela exibida no hall do parlamento, no corredor de acesso ao salão de acalorados debates. Já no primeiro dia, a efusão de reverências e salamaleques dos nobres e burgueses foram unânimes e exaltados. A corte inteira julgou ser aquela homenagem do militar uma exaltação da realeza e o reconhecimento desta como princípio fundador e critério de autoridade. "O soldado se rendeu", sussurravam as cortinas ao vento das mudanças. Mas Cromwell tinha outros propósitos. Na primeira oportunidade, quando o parlamento inglês estava tomado pelos membros e o povo apinhado do lado de fora -uma grande resolução de guerra seria votada naquele dia -, o primeiro ministro abriu seu discurso, apontando para a estátua de ouro e dizendo: _ Esta magnífica imagem do grande rei Alfredo foi esculpida com o ouro de um penico, onde o nosso monarca antecessor, Carlos I, opulento e vaidoso, despejava seus rios de fezes, urina e escarro. Hoje, este mesmo ouro é venerado e alvejado pela ternura dos seus olhos, a mesma matéria em outra forma sublime e transmutada. Algo semelhante aconteceu comigo que, de um rude soldado criado nas estrebarias e chiqueiros, recebendo sobre minha armadura o sangue e a bílis do inimigo pela espada trepassado, hoje encontro-me revestido pelas insígnias e paramentos sagrados do maior império da terra. É justo vocês desdenharem o vosso Comandante Supremo, abaixo apenas de Deus, como se sentissem saudades do pinico em que fomos um dia, eu e esta imagem do Grande Rei Alfredo? Preferem às honras imorredoras e ao brilho dourado das vitórias, o excremento e a vanidade que os vícios da corte destilam em suas vísceras? Enquanto assim e inflamado discursava, a magia movente e vesperal daquele tempo, ia transformando lentamente os traços fisionômicos do sublime rei ancestral nas feições rudes e crispadas do novo comandante que iria emprestar ao eminente império britânico seu ríspido pragmatismo e altiva brutalidade.

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