sábado, 18 de abril de 2020

O CAVALO BRANCO DO APOCALIPSE!




Você provavelmente já se perguntou por que temos um medo instintivo e irracional da escuridão. Mesmo sabendo que estamos seguros, se estivermos sozinhos, a imaginação logo povoa as trevas com mil monstros imaginários! Na verdade, esses monstros que imaginamos estar atrás da cortina ou debaixo da cama, são justamente coisas que inventamos para povoar e preencher algo muito pior e inominável, algo que não suportaríamos encarar sem enlouquecer, daí essas invenções aterrorizantes de almas penadas, assassinos com facas na mão ou zumbis diabólicos querendo beber nosso sangue. São, de fato, coisas horripilantes, mas que podemos suportar sem perder as estribeiras, fugir sem desmaiar! O que seria mesmo esse terror numinoso por detrás de nossos medos figurativos, fica pra outra ocasião, interessando-me agora e apenas saber que ele também se apresenta como estofo e raiz dos medos coletivos. E são muitos os medos diagnosticados em coletividades ao longo dos séculos: apocalipses, invasões, escravidão, fome, ditaduras, um cortejo de temores cuja representação pode ser suportada, e que geralmente funcionam como terrores ancilares e vicários de um medo mais sinistro: a peste! Ao longo da história da humanidade, não cansamos de presenciar a infestação de epidemias que abatem civilizações inteiras, como a peste de Atenas, que definiu os rumos da derrota irreversível dos gregos e o fim da civilização helênica, a peste negra, que redefiniu o mapa da Europa, a mítica peste de Tebas onde a trilogia de Édipo foi ambientada e que é a razão secreta desta peça teatral - conforme veremos mais tarde - ter tido o estrondoso e eterno sucesso que lhe caracteriza, a peste Antonina, a grande peste de Marselha , a de Londres... Dezenas de manifestações epidêmicas que, tão logo findas, segue-se um abrupto esquecimento como marca característica de um sofrimento que ultrapassa o nível do suportável. Tomemos como exemplo, a primeira grande pandemia da humanidade, em uma era onde a globalização já ensaiava seus passos, a Gripe Espanhola, em 1918. Aconteceu há um século apenas, mas parece que nunca existiu! Não vemos nenhum avô contar que o avô dele vivenciou este ou aquele episódio relacionado, não há filmes ou grandes romances nela ambientados, raríssimos estudos históricos... É como se não houvesse acontecido, como se o horror houvesse sido tão visceral e excruciante que a memória coletiva da humanidade precisou recalcar o grosso conteúdo dos fatos envolvidos. Aqui voltamos para a psicologia do indivíduo em busca de um ângulo obtuso: digamos que a peste, mais do que as guerras e outras catástrofes, por seu caráter invisível e impessoal, vinculado e geminado, portanto, ao âmbito da escuridão primordial dos primeiros pânicos da humanidade, que falamos no início do texto, emulada diretamente do abismo que subsiste por trás dos medos estereotipados e que, provavelmente, se originam nas ameaças físicas e concretas das trevas que cercavam o homem pré-histórico e que moldou definitivamente a psique humana – óbvio que estamos tateando “no escuro” uma explicação para esse terror metafísico -, a peste, repito, seja o correlato, na vida coletiva, dos traumas na vida individual. Nestes, é notório que a vítima imediatamente se esqueça do incidente desestruturante que vivenciou e apague seus registros da memória, o que recalca o episódio para uma área não digestiva da mente,  o Inconsciente, e lá permaneça como um fantasma no sótão, enviando sintomas atordoantes e perturbadores, feito um corpo morto reclamando o enterro e o caixão. A Gripe Espanhola durou três anos, infectou 500 milhões de pessoas, um quarto da população mundial da época, matou 50 milhões de pessoas, 10% dos infectados! No Brasil, corpos eram carregados em carroças e jogados em valas, as ruas fediam de tantos cadáveres putrefatos nas calçadas, um presidente da República, Rodrigo Alves, veio a óbito, o cheiro de corpos queimados escureceu os céus de São Paulo ao Maranhão... E VOCÊ QUASE NÃO SE LEMBRA! Nada no currículo escolar, nos cinemas, nas livrarias! Nenhum ascendente seu lhe foi dito que dela faleceu (e pensem que na época 32 tetravós nossos estavam mergulhados nesse inferno)... Também as coletividades recalcam seus traumas e o mundo aparentemente se esqueceu da Gripe espanhola. Mas os sintomas vieram logo em seguida: enquanto a América, jovem e rica, se entregou às comemorações desenfreadas pelo fim da pandemia, vivendo os loucos anos vinte do jazz e desvarios tão magnificamente retratados pelo Fitzgerald, a Europa, mais sisuda e astuta, começa a consolidar uma nova forma de soberania de ordem disciplinar inspirada nos mecanismos de controle social praticados durante a pandemia. O nazismo inaugurou uma era mundial de higienismo e assepsia. De um momento para outro, todos passaram a usar a cor branca hospitalar, centenas de marcas novas de detergentes e saponáceos invadiram os mercados, vacinas para qualquer doença eram celebradas como jogos de futebol em copa do mundo. O saneamento básico se tornou nobre obrigação do Estado. A indústria farmacêutica se consolidou como um gigante mundial. Simultaneamente, cresceu a aversão por povos e pessoas que, vindas de longe, pudessem trazer novas enfermidades. Começou a xenofobia desenfreada. Grande parte do antissemitismo europeu travestiu-se de motivações higienistas. Eram acusados de transmitir a sífilis, a lepra, as febres e todo tipo de escabrosidades. O mesmo valendo para negros, ciganos, asiáticos, latinos e eslavos. O modo escolhido pelos nazistas para exterminar os judeus nos campos de concentração, com veneno em câmeras de gás, trazia a justificativa inconsciente de uma assepsia química, como se estivesse matando os piolhos, os germes, os micróbios infelizmente hospedados nos corpos dos párias. O próprio belicismo que reconstruiu a economia alemã, descambando no conflito universal da segunda guerra mundial, teve no trauma da Gripe espanhola a sua causa secreta. Sabemos que, após um trauma e seu correlato esquecimento, a memória se interrompe momentos antes do acontecido e ali cria um foco de irradiação. Vítimas de acidentes, que só se lembram do trágico ocorrido até poucos instantes do momento fatal, passam também a se lembrar desses momentos anteriores com uma inusitada vivacidade e persistência. Recordam de tudo que conversavam durante a viagem, os detalhes todos da paisagem, o sabor e o aroma do que comeram antes do embarque, sonham recorrentemente com esses momentos ... De modo análogo, uma coletividade, quando apaga a memória de uma pandemia traumatizante, fixa-se nos anos que a antecederam e passam a glamourisar, a reviver aqueles tempos com mórbida e fervorosa nostalgia. No caso da Alemanha, essa época anterior era precisamente a guerra, a Primeira Guerra Mundial! Os leitores dos romances mágicos de Erich Maria Remarque, o Obelisco, Nada de Novo no Front e tantos outros similares, mostram como o culto da primeira guerra, tanto mais heroica e justificada por terem sido nela derrotados, estava encravado na alma alemã. Contribuiu conspicuamente para tal crisol o talento perverso do Adolf Hitler que soube plasmar no seu povo uma tendência que existia no planeta inteiro, o fascismo higienista e a pulsão de morte no coração daqueles que, por terem sobrevivido ao inferno pandêmico, se sentiam culpados por terem sobrevividos aos seus entes queridos e viviam com o gosto da morte nos lábios. Na primeira guerra mundial, Hitler fora um jovem cabo, viveu nesta guerra os seus sonhos de juventude encantada, sonhos estes embrulhados em mortalhas e sangue, em tiros e dores, fazendo com que ele soubesse emprestar ao canto demoníaco de seus discursos hebefrênicos, o coro das sedutoras sereias apregoando a doçura da morte! A Segunda Guerra Mundial, sob este insólito e secreto fundo motivacional, foi uma catarse do trauma criado pela Gripe Espanhola no coração da humanidade, de seus sobreviventes. As bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki foram a profilaxia simbólica e terminal, o banho radioativo que pudesse, enfim – e retroativamente, pois o tempo estava parado no sintoma – limpar do planeta todas as bactérias, vírus, e patogenias de todas as espécies. Não se assustem se, tão logo termine a pandemia do Coronavírus, por algum outro pretexto ou subterfúgio inconfesso, a China vier a ser bombardeada e sumir do mapa sob nuvens rajadas de mil megatons!

   * Como um caudaloso apêndice a este meu rascunho de tese apresento-vos um patético relato da grande peste de Atenas, que se encontra nas páginas finais do magnífico poema latino DE RERUM NATURA, do Tito  Lucrécio Caro. Cresce a cada dia, entre os acadêmicos do primeiro mundo, a suspeita de ter sido esse texto um enxerto de algum desconhecido monge copista medieval que, ao concluir o poema pagão onde o autor prometia libertar o homem dos terrores da superstição, inoculando no final da obra uma visão dantesca da morte e do sofrimento, buscasse fazer o leitor reconsiderar a proposta inicial e voltar-se para o famoso “Memento Mori”, a meditação sobre a morte como via excelsa da sabedoria cristã. Eu discordo destes acadêmicos ensebados da Europa e dos EUA. Penso que o Lucrécio, ao encenar os horrores da peste, quis proporcionar aos leitores uma experiência imersiva nos fantasmas e simulacros que, segundo a sua doutrina, tanto atormenta e inferniza a nossa existência. Fantasmas oníricos, teológicos e eróticos, conforme sua sofisticada cornucópia conceitual. Em todo caso, na suposição desse fragmento ter sido inoculado como um vírus na obra do Lucrécio, sinto-me muito à vontade em usá-lo como apanágio da minha tese acima das pandemias como origem dos traumas coletivos da humanidade! Leiam Lucrécio! Deixem-se contagiar!

A PESTE DE ATENAS – Fragmento Final do Canto VI de DE RERUM NATURA
 ... Agora abordarei as razões das doenças e como se conflagram os mórbidos poderes que deflagram flagelos letais, para os homens e animais. Primeiro há, como afirmei antes, muitos corpos que são essenciais ao homem, mas também esvoaçam no ar pestes, pragas, a morte, enfim. Se acaso se elevam, se turvam completamente o céu, tornam maligno o ar. Todo o contágio vigoroso, pestilento, ou vem do alto céu, onde passeiam as nuvens, as névoas, ou da própria terra ele ressurge – o que é comum: quando apodrece em umidade, quando açoitada por sóis, rios intempestivos. Não percebes que quem vem de locais longínquos, estranha o clima novo, no céu e nas águas, já que provam de díspares realidades?  Por que julgamos ser diverso o céu do Egito, onde o eixo do mundo se verga, do céu da Britânia, do céu do Ponto? o céu diverso em Gádis, terra das queimadas raças negras? Porque estes quatro céus se mostram diferentes aos quatro ventos, pelos paços celestiais; pois várias são as cores e as fisionomias dos homens, cada raça tem seus próprios males. Germina a elefantíase às margens do Nilo, no médio Egito, tão somente em tal local. A moléstia, em Atenas, é nos pés. Na Grécia remota, ataca os olhos. Há locais hostis também a outros membros, pois são outros ares. Quando um céu forasteiro se impõe sobre nós, deslizando a serpente de seu ar funesto, inflando como nuvem ou névoa, perturba o caminho onde passa, obriga a mudar tudo. Então, o ar corrupto alcança nosso céu, que se torna um estranho semelhante a si. Logo um mal novo, uma doença, um novo estrago: pousa nas águas ou se alastra nos pomares, no alimento dos homens, no pasto do boi – seu poder permanece suspenso no ar, e quando respiramos ares corrompidos, do mesmo modo o corpo os sorve, num instante. Pela mesma razão, a moléstia se infiltra entre os bois, entre lentas ovelhas balantes. Não importa qual desses lugares adversos atinjamos, trocando de manto celeste, nem que espontânea nos envie a natureza um céu deteriorado, ou outra coisa estranha a nós, que nos ataque com sua chegada. Esta moléstia, esta maldita emanação, que os campos da Cecrópia tornou salobros, derruiu ruas, evacuando toda a urbe. Pois vinda do profundo íntimo do Egito, cruzou grandes estâncias de ar flutuante, por fim caiu sobre os cidadãos de Pandíon. Aos bandos, decaíram por doença e morte. Primeiro, a peste fez ferverem as cabeças, olhos se avermelharam com brilhos molhados. Então, gargantas negras também vomitavam sangue, as cordas vocais ulceradas calaram; goteja fel a língua, emissária da mente, débil de males, balbucios, asperezas. Pela goela o peito se encheu, desde então: chegou ao coração o poder da doença, desabou toda a fortaleza da existência. Exalavam da boca um hálito terrível, odores de cadáveres podres no chão. Enfraquecem de todo os vigores do espírito, o corpo desfalece ao limiar da morte: a perplexa aflição, os gemidos, as queixas são companheiros desta peste insuportável. São incessantes os soluços, dia e noite os nervos se incendeiam, por todos os membros, esgotando-os, nervos já tão fatigados. Não se viam bem claros os sinais externos de que o corpo fervia em duradouro ardor, mas, à palma da mão, o corpo expunha febre, fazia sentir quente a carne, feito rubras chagas queimando, como o fogo sacro, os membros. Os mais íntimos ossos do homem queimavam, o estômago inflamava, como fosse um forno. Nada havia de tão leve que lhes cobrisse braços e pernas, a não ser o vento frio. Alguns banhavam os membros quentes nos rios frios – corpos morrendo em meio a corredeiras. Uns logo submergiram as cabeças nas águas dos poços fundos, vindos já de boca aberta: a sede irrefreável, mergulhando os corpos, era constante, fosse muita ou nula a água. A peste era sem pausa: jaziam cansados os corpos. Médicos calavam, temerosos, as febres da doença mudavam no enfermo a luz dos olhos, tanto privados de sono. Além desses, surgiram mais sinais da morte: há tristeza no espírito, a mente se turva; o rosto triste, e logo irado, violento; os zunidos contínuos alarmando o ouvido, respiração ora ofegante, ora profunda; o pescoço umedece em fluidos de suor; cuspes e escarros salgados, cor de açafrão, da garganta arrancados pelas tosses roucas. De fato, a peste retesa nervos, palpita os membros, e não tarda o frio em ascender dos pés às mãos. Nas horas finais, estrangula as narinas, afina narizes, afunda os olhos, congelando, enrijecendo os lábios, a boca em riste, o rosto todo tensionado. As juntas endurecem depressa com a morte. Desistiam da vida à luz do oitavo dia, ou mesmo durante o nono giro solar. Mesmo quando um doente evitava os velórios, logo esperavam-no fraqueza, diarreias negras, cruas feridas, morte por contágio. Ou ainda, bastante sangue podre escorre pelo nariz, com fortes dores de cabeça: fluem do corpo todas as forças do homem. Mesmo que não menstruem sangue repugnante e escuro, o mal invade músculos, tendões, alcança os sexos das mulheres e dos homens. Alguns sobreviviam, castrados no fio do ferro, temerosos entre a vida e a morte, manetas e pernetas também resistiam vivos; outros, perdiam o brilho dos olhos, tanto os tomava o negro receio da morte. Alguns se esqueciam de tudo, dos eventos, das coisas, estranhavam até mesmo a si próprios. Montes de corpos sobre corpos, insepultos, restam na terra, mas escapam certas aves, certos animais fogem do pútrido odor ou, quando o provam, prostram-se à morte, que ronda. Em geral, ave alguma vinha à luz durante esses dias, nenhum animal se exibia   nos bosques, já que definhavam com essa peste e faleciam, sobretudo os cães, fiéis, pousavam a alma nas estradas, nas veredas. A doença extraía a vida do organismo. Funerais sem cortejo atravessavam as ruas. Nenhum remédio funcionava em toda a gente: a uns, propiciava ares animados ao rosto, estar ao ar livre e a céu aberto; a outros, a falência e a carnificina. O pior, algo mais infame e deplorável nestes momentos, era quando alguns se viam presos pela doença, fadados à morte: sem ânimo, deitavam, o coração tristonho – a si mesmos velando, esvoaçava a alma. O certo, realmente, é que se contagiavam de modo ininterrupto, uns aos outros, sôfregos – o mesmo nas manadas de ovelhas, carneiros. Por isso funerais atrás de funerais. Todos que evitavam visitar os doentes, temendo a morte, eram logo castigados por um óbito estúpido e vexaminoso, sozinhos, sem cuidados, vítimas sem trato. Já alguns, mais solícitos, desfaleciam por contágio e fadiga; expunham-se, por honra, às vozes mansas e aos lamentos dos enfermos. Morriam assim os que fossem corajosos * * * uns sobre outros, buscam sepultar seus mortos: voltam exaustos, de tantas lágrimas e lutos; muitos passavam seus tristes dias na cama.  assediados pela morte e pela dor. Os guias dos arados curvos, os peões, os pastores de rebanhos, todos, fraquejavam, no profundo das tendas, com os corpos deitados, prontos para morrer, por pobreza e doença. Notava-se cadáveres pais sobre os corpos dos filhos, e também cadáveres meninos, inanimados, sobre os cadáveres pais. O flagelo do campo tomou grandes áreas da cidade, levado pela multidão de lavradores, vindos de locais molestos. Enchiam as casas; deste modo, aglomerados, Arrebanhava-os a morte, no verão. Destruídos de sede, caíam nas ruas, rolavam até as fontes, e lá se deitavam –  as almas afogadas em tanta água doce. Nas ruas, nas moradas, uma turva turba de moribundos, lassos, de membros mortiços, imundos, recobertos de trapos, morriam os encardidos corpos: eram pele e osso, pele já morta por feridas e sujeira. Enfim, a morte acumulou corpos inanes nos templos sacros: os altares de seus deuses ficavam de cadáveres abarrotados, de hóspedes, guardados pelos guardiões. Não vigoravam nem o poder das igrejas nem a força dos deuses: triunfava a dor. A cidade perdeu os ritos funerais com que o povo enterrava seus queridos mortos.       
 Todos tremiam perturbados, machucados, cada um sepultando os seus como podia. Desastres e miséria conduzem ao horror. Punham seus familiares sobre piras altas com pilhas de outros corpos, entre choros, gritos, e arremessavam as tochas, brigando e vertendo sangue, sem desertar seus consanguíneos.

**  ORIGINAL LATINO

 Atque ea uis omnis morborum pestilitasque aut extrinsecus ut nubes nebulaeque superne per caelum ueniunt, aut ipsa saepe coorta de terra surgunt, ubi putorem úmida nactast intempestiuis pluuiisque et solibus icta. Nonne uides etiam caeli nouitate aquarum temptari procul a pátria quicumque domoque adueniunt, ideo qui longe discrepitant res ? Nam quid Brittannis caelum diferre putamus, et quod in Aegypto est qua mundi claudicat axis, quidue quod in Ponto est differre, et Gadibus atque usque ad nigra uirum percocto saecla colore ? Quae cum quattuor inter se diuersa uidemus quattuor a uentis et caeli partibus esse, tum color et fácies hominum distare uidentur largiter, et morbi generatim saecla tenere. Est elephas morbus qui propter flumina Nili gignitur Aegypto in media, neque praeterea usquam.  Atthide temptantur gressus, oculique, in Achaeis finibus. Inde aliis alius locus est inimicus partibus ac membris: uarius concinnat id aer. Proinde ubi se caelum quod nobis forte alienum commouet, atque aer inimicus serpere coepit, ut nebula ac nubes paulatim repit, et omne qua graditur conturbat et immutare coactat. Fit quoque ut, in nostrum cum uenit denique caelum, corrumpat, reddatque sui símile atque alienum. Haec igitur subito clades noua pestilitasque aut in aquas cadit, aut fruges persidit in ipsas, aut alios hominum pastus pecudumque cibatus, aut etiam suspensa manet uis aere in ipso ; et, cum spirantes mixtas hinc ducimus auras, illa quoque in corpus pariter sorbere necessest. consimili ratione uenit bubus quoque saepe pestilitas, et iam pigris balantibus aegror. Nec refert utrum nos in loca deueniamus nobis aduersa et caeli mutemus amictum, an caelum nobis ultro natura coruptum deferat, aut aliquid quo non consueuimus uti, quod nos aduentu possit temptare recenti. Haec ratio quondam morborum et mortifer aestus finibus in Cecropis funestos reddidit agros, uastauitque uias, exhausit ciuibus urbem. Nam penitus ueniens Aegypti finibus ortus, aera permensus multum camposque natantis, incubuit tandem populo pandionis omni. Inde cateruatim morbo mortique dabantur. principio caput incensum feruore gerebant,  et duplicis oculos suffusa luce rubentes. Sudabant etiam fauces intrinsecus atrae sanguine, et ulceribus uocis uia saepta coibat, atque animi interpres manabat língua cruore debilitata malis, motu grauis, aspera tactu. Inde ubi per fauces pectus cmplerat, et ipsum morbida uis in cor maestum confluxerat aegris, omnia tum uero uitai claustra lababant. Spiritus ore foras taetrum uoluebat odorem, rancida quo perolent proiecta cadauera ritu.  Atque animi prorsum uires totius et omne languebat corpus leti iam limine in ipso.  Tituli:  Intolerabilibusque malis erat anxius angor adsidue comes et gemitu commixta querella. Singultusque frequens noctem per saepe diemque      corripere adsidue neruos er membra coactans dissoluebat eos, defessos ante, fatigans. Nec nimio cuiquam posses ardore tueri corporis in summo summam feruescere partem, sed potius tepidum minibus proponere tactum,      et simul ulceribus quasi inustis omne rubere corpus, ut est per membra sacer dum diditur ignis. Intima pars hominum uero flagrabat ad ossa, flagrabat stomacho flamma ut fornacibus intus. Nil adeo possis cuiquam leue tenueque membris      uertere in utilitatem, at uentum et frigora semper. In fluuios partim gelidos ardentia morbo membra dabant, nudum iacientes corpus in undas. Multi praecipites lymphis putealibus alte inciderunt ipso uenientes ore patente :      insedabiliter sitis Arida, corpora mersans, aequabat multum paruis umoribus imbrem. Nec requies erat ulla mali : defessa iacebant corpora. Mussabat tacito medicina timore, quippe patentia cum totiens ardentia morbis      lumina uersarent oculorum exspertia somno. Multaque praeterea mortis tum signa dabantur : perturbata animi mens in maerore metuque, triste supercilium, furiosus uoltus et acer, sollicitae porro plenaeque sonoribus aures,      creber spiritus aut ingens raroque coortus, sudorisque madens per collum splendidus umor, tenuia sputa minuta, croci contacta colore salsaque, per fauces rauca uix edita tussi. In manibus uero nerui trahere et tremere artus      a pedibusque minutatim succedere frigus non dubitabat. Item ad supremum denique tempus compressae nares, nasi primores acumen tênue, cauati oculi, caua tempora, frigida pellis duraque in ore, iacens rictum, frons tenta tumebat.      Nec nimio rígida post artus morte iacebant. Octauoque fere candenti lumine solis aut etiam nona reddebant lampade uitam. Quorum si quis, ut est, uitarat funera leti, ulceribus taetris et nigra proluuie alui      posterius tamen hunc tabes letumque manebat, aut etiam multus capitis cum saepe dolore corruptus sanguis expletis naribus ibat : huc hominis totae uires corpusque fluebat. Profluuium porro qui taetris sanguinis acre      exierat, tamen in neruos huic morbus et artus ibat, et in partis genitalis corporis ipsas. Et grauiter partim metuentes limina leti uiuebant ferro priuate parte uirili, et manibus sine nonnuli pedibusque manebant      in uita tamen, et perdebant lumina partim : usque adeo mortis metus his incesserat acer. Atque etiam quosdam cepere obliuia rerum Cunctarum, neque se possent cognoscere ut ipsi. Multaque humi cum inhumata iacerent corpora supra      Corporibus, tamen alituum genus atque ferarum aut procul absiliebat, ut acrem exiret odorem, aut, ubi gustarat, languebat morte propinqua. Nec tamen omnino temere illis solibus ulla Comparebat auis, nec tristia saecla ferarum      Exibant siluis. Languebant pleraque morbo Et moriebantur. Cum primis fida canum uis Strata uiis animam ponebat in omnibus aegre ; Extorquebat enim uitam uis morbida membris. Incomitata rapi certabant funera uasta.      Nec ratio remedi communis certa dabatur ; Nam quod ali dederat uitalis aeris auras Uoluere in ore licere et caeli templa tueri, Hoc aliis erat exitio letumque parabat. Illud in his rebus miserandum magnopere unum      aerumnabile erat, quod ubi se quisque uidebat implicitum morbo, morti damnatus ut esset, deficiens animo maesto cum corde iacebat, funera respectans animam amittebat ibidem. Quippe etenim nulo cessabant tempore apisci      ex aliis alios auidi contagia morbi, lanigeras tamquam pecudes et bucera saecla. Idque uel in primis cumulabat funere funus. Nam quicumque suos fugitabant uisere ad aegros, uitai nimium cupidos mortisque timentis      poenibat paulo post turpi morte malaque, desertos, opis expertis, incúria mactans. Qui fuerant autem praesto, contagibus ibant atque labore, pudor quem tum cogebat obire blandaque lassorum uox mixta uoce querellae.      Optimus hoc leti genus ergo quisque subibat. * * * inque aliis alium, populum sepelire suorum certantes: lacrimis lassi luctuque redibant ; inde bonam partem in lectum maerore dabantur.  Comparebat auis, nec tristia saecla ferarum      Exibant siluis. Languebant pleraque morbo Et moriebantur. Cum primis fida canum uis Strata uiis animam ponebat in omnibus aegre ; Extorquebat enim uitam uis morbida membris. Incomitata rapi certabant funera uasta.      Nec ratio remedi communis certa dabatur ; Nam quod ali dederat uitalis aeris auras Uoluere in ore licere et caeli templa tueri, Hoc aliis erat exitio letumque parabat. Illud in his rebus miserandum magnopere unum      aerumnabile erat, quod ubi se quisque uidebat implicitum morbo, morti damnatus ut esset, deficiens animo maesto cum corde iacebat, funera respectans animam amittebat ibidem. Quippe etenim nulo cessabant tempore apisci      ex aliis alios auidi contagia morbi, lanigeras tamquam pecudes et bucera saecla. Idque uel in primis cumulabat funere funus. Nam quicumque suos fugitabant uisere ad aegros, uitai nimium cupidos mortisque timentis      poenibat paulo post turpi morte malaque, desertos, opis expertis, incúria mactans. Qui fuerant autem praesto, contagibus ibant atque labore, pudor quem tum cogebat obire blandaque lassorum uox mixta uoce querellae.      Optimus hoc leti genus ergo quisque subibat. * * * inque aliis alium, populum sepelire suorum certantes: lacrimis lassi luctuque redibant ; inde bonam partem in lectum maerore dabantur.   
Nec poterat quisquam reperiri quem neque morbus,      nec mors nec luctus temptare tempore tali. Praeterea iam pastor, et armentarius omnis et robustus item curui moderator aratri languebat, penitusque casa contrusa iacebant corpora paupertate et morbo dedita morti.      Exanimis pueris super exanimata parentum corpora nonnumquam posses retroque uidere matribus et patribus natos super edere uitam. Nec minimam partem ex agris is maeror in urbem confluxit, languens quem contulit agricolarum      copia conueniens ex omni mórbida parte. Omnia conplebant loca tectaque ; quo magis aestu confertos ita aceruatim mors accumulabat. Multa siti prostrata uiam per proque uoluta corpora silanos ad aquarum strata iacebant,      interclusa anima nimia ab dulcedine aquarum, multaque per populi passim loca prompta uiasque languida semanimo cum corpore membra uideres horrida paedore et pannis cooperta perire corporis inluuie : pellis super ossibus una,      ulceribus taetris prope iam sordeque sepulta. Omnia denique sancta deum delubra replerat corporibus mors exanimis, onerataque passim cuncta cadaueribus caelestum templa manebant, hospitibus loca quae complerant aedituentes.      Nec iam religio diuom nec numina magni pendebantur : enim praesens dolor exsuperabat. Nec mos ille sepulturae remanebat in urbe, quo prius hic populus semper consuerat humari ;   perturbatus enim totus trepidabat, et unus      quisque suum pro re praesenti maestos humabat. Multaque res subita et paupertas horrida suasit. Namque suos consanguineos aliena rogorum insuper exstructa ingenti clamore locabant, subdebantque faces, multo cum sanguine saepe      rixantes potius quam corpora desererenrur. perturbatus enim totus trepidabat, et unus      quisque suum pro re praesenti maestos humabat. Multaque res subita et paupertas horrida suasit. Namque suos consanguineos aliena rogorum insuper exstructa ingenti clamore locabant, subdebantque faces, multo cum sanguine saepe      rixantes potius quam corpora desererenrur.

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1 comentários :

Bob Fields disse...


O COMPLEXO DE R. L. STEVENSON - Em uma de suas mais famosas novelas, “O demônio na garrafa”, o escritor escocês Robert L. Stevenson, nos apresenta um insólito e macabro enredo, não de todo desconhecido destas plagas nordestinas: viajando pelos mares do sul, um aventureiro trava conhecimento de uma garrafa com um demônio preso dentro dela. O proprietário da garrafa, e do seu prisioneiro, pode ter todas as riquezas deste mundo que desejar, mas se morrer na posse desta garrafa, sua alma gemerá eternamente nos vestíbulos do inferno. Para se livrar da maldição, seu proprietário deverá passá-la a um outro por um preço sempre menor do que foi comprada, sem recursos a frações ou dízimas periódicas e sem que nenhum destes detalhes seja ocultado. Assim, se comprada por sessenta dólares, só poderia ser vendida por cinqüenta e nove, depois, cinqüenta e oito...Sucessivamente até o fatídico valor de um dólar, quando o seu infeliz proprietário dela não mais poder se livrar. Nas páginas desta sinistra novela, vemos um cortejo de personagens a comprar, enriquecer e, depois, tentar vendê-la por um preço cada vez mais irrisório... É curioso refletir sobre as regras deste espúrio comércio e ver como ele é inócuo aos olhos de um homem lúcido e ajuizado: o último homem não a compraria por um dólar, sabendo que não poderia se desfazer do passaporte carimbado para o inferno que é a posse do vidro maldito (onde se vê, no seu interior, o bafo verde do imundo respirando!). O penúltimo homem não a compraria por dois dólares sabendo que não encontraria um último a quem passar a maldição. O antepenúltimo veria nos seus três dólares mais valor do que todo o ouro do mundo por saber que o antepenúltimo recusaria sua oferta baseado no argumento anterior. Seu predecessor... Ad infinitum! Por que então nos soa tão verossímil – para além dos méritos do autor – imaginar os homens, com a moeda da alma, comprando e vendendo esta garrafa? Qual seria o sutil estratagema do demônio para fazer com que tantos venham a morder a isca do seu podre anzol? Penso que deva passar pela cabeça dos candidatos, daqueles que eventualmente possuem algum discernimento, o seguinte pensamento: “se eu ceder à tentação da riqueza fácil, se reconhecer a força da sua sedução em suplantar o meu bom-senso, estarei me convencendo também de que outros homens, semelhantes a mim, também cederão e comprarão a garrafa por um preço menor”! Esse é um tipo de raciocínio chamado díade, ou complexo, quando uma suposição fundamenta outra que retro-alimenta a primeira. A outra hipótese é que estas personagens compradoras da garrafa façam parte deste grupo de doutores estúpidos que negam a existência do demônio, mesmo sentindo seu bafo quente no cangote; modestamente, creio ter sido esta a mensagem de R. L. Stevenson.